quarta-feira, 23 de abril de 2014

Perseverança

No mundo dos sonhos o tempo é algo imensurável
Há dias que parecem segundos...
Segundos que parecem horas...
Agora me diga: quanto tempo de sua vida você estaria disposto a ceder para realizar um sonho?

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       Havia naquele bairro um terreno baldio, no qual o dono certa vez plantou uma bananeira e sem querer despertou ali um elemental adormecido. As bananeiras, quando não domadas, se alastram de maneira imprecisa, porém sempre em busca da água, morrendo, e nascendo daquelas que já partiram. Ás vezes, apesar da imprecisão, formam um círculo perfeito, como homens celebrando em uma fogueira ao luar.
      Era assim que a criança índia, moradora do terreno vizinho as via. Quando o luar incidia no terreno, as sombras faziam com que as bananeiras parecessem pássaros; a brisa suave lembrava uma dança de roda, quando as folhas secas de umas tocavam o caule delgado das outras. A criança via e sentia a vida em movimento naquele lugar. E sua imaginação transformava as simples bananeiras em seres de outro mundo: fadas ou fantasmas dançantes, que cochichavam segredos incompreensíveis nas noites de lua cheia.
       Foi este olhar admirado lançado pela índiazinha às bananeiras que despertou naquele Ser de essência única a vontade de tocá-la - a índiazinha nunca pusera os pés no terreno vizinho. Resolutas, as bananeiras nasciam e morriam, movimentando-se lentamente em direção à casa da menina.

      Os amores vem e vão, e se um dia a pequena amou as bananeiras, quando jovem, o luar e os raios de sol entrando em sua janela tornaram-se seus novos amores. A massa verde ali em frente impedia-lhe este prazer e ela passou a odiar as árvores, que agora via como mau agouro. Seu olhar de ódio magoou o Ser Único, mas não diminuiu a sua vontade de tocá-la; morte após morte avançava em direção à casa vizinha.

     O tempo a passou. Linhas irregulares surgiram nos olhos da índia, e a sombra abaixo de seus olhos fatigados não diminuíram a beleza do seu olhar, que às bananeiras agora era escasso, mais voltado para a criança que se agarrava em suas pernas. Ainda assim o Ser Único não desistiu, e nascimento após nascimento, aproximava-se da casa. Já estava quase a um corpo de distância quando algo o impediu: em sua obstinação não percebeu que os homens vinham cercando os limites de seus terrenos. As permeáveis cercas de arame farpado foram substituídas por tijolos maciços; sua frágil raiz não podia ultrapassá-los. Pela primeira vez chorou. E sucumbido pela dor, adormeceu. Suas filhas no entanto, ou a parte dele que nascia e morria, habituadas a seguir em direção à casa, continuaram naquela missão, nascendo e morrendo até formarem uma fileira ao lado do muro.

       Quando o Ser Único finalmente acordou, tudo estava mudado. O muro continuava ali, mas a casa da indiazinha agora era mais alta. Da janela superior dois pares de olhos negros miravam ele e suas filhas (que eram ele na essência!). Reconhecia aquele olhar, mas não sabia à qual deles dirigir o seu amor: ao rosto cujos olhos descansavam sobre a face flácida, coberta de linhas e emoldurado por uma cabeleira branca, ou para a criança aninhada no colo da primeira, de pele firme e olhos brilhantes?

       Conversavam sobre ele:
       - Pedirei ao vizinho para que corte algumas, assim tomarás Sol ao amanhecer...
       - Não faças isso vovó, eu gosto delas.  Parecem as tribos antigas reunidas na fogueira sob a luz do luar!

       A velha sorriu, e o coração do Ser Único recobriu-se daquele amor antigo. A brisa que corria tornou-se um vento maroto, e a criança de olhos de jabuticaba e cabelos cor da noite estendeu as mãos através da janela para senti-lo. "Um braço de distância agora", pensou o Ser Único. 
      Uma de suas folhas rígidas cedeu á insistência do vento, prestes a tocar nas mãos da criança.
     - Cuidado! - gemeu a avó, mas já era tarde: a folha cobriu as duas mãos, a da velha e a da criança, numa fração de segundo que para o Ser Único seria eterno.

Muitos anos mais tarde o fogo lambeu aquela terra. Mas o Ser Único vivente naquelas bananeiras morreu feliz...!