quinta-feira, 30 de junho de 2016

A Namorada Dela


Parte III - Carrinho


     Entrar para o time de futebol da escola foi libertador. Treinávamos quase todos os dias e quando não, jogávamos no play ou na rua. A Memê era ótima, incentivava e dava broncas na galera; na escola nosso time era misto, dividido em subequipes para os jogos internos, e até os garotos respeitavam ela. Aumentei minha cartela de amigos – e com isso as garotas da Gina tornaram-se meras conhecidas – no entanto não grudei na Memê feito chiclete: o futebol era a única coisa que tínhamos em comum: depois dos treinos ou de uma partida, cada uma seguia seu lado. Conversávamos geralmente entre um jogo e outro, ou durante a celebração de alguma vitória; ela me perguntava como eu estava, se passava bem, ou, caso eu houvesse comentado algum problema numa conversa anterior, ela retomava o assunto, bastante atenciosa. Porém, nunca dava brechas para que o foco fosse ela; eu, por outro lado, nunca me preocupei em saber mais.

            Os boatos começaram tal qual a missão hitleriana para difamar judeus: de maneira sutil. Eram cochichos por onde ela passava, desenhos pejorativos que circulavam por baixo das carteiras, pichações nas paredes, principalmente quando ela derrotava o time de alguém nas partidas internas. Eu ficava preocupada, mas ela não demonstrava abalo algum: cruzava os corredores exalando sua eterna autoconfiança, conversando alegremente com quem estivesse em sua companhia. Por vezes alguém apontava para um desenho novo e ela ria, pegava uma caneta e ainda retocava um detalhe aqui ou ali.  
          – Você acha que ela é isso que dizem por aí?  -  perguntou-me o Binho “Sorte de Principiante”, outro amigo que conquistei com o futebol e cuja relação era até mais próxima que a com Memê. Eu dei de ombros, pois era evidente a tentativa de desmoralizá-la, já que era rainha em campo. Ainda assim, fiquei me questionando se o fato dela ter outras preferências mudaria minha forma de tratá-la.
Não mudei, mas as outras meninas sim. Bastava Memê chegar ao vestiário para todas se cobrirem e discretamente deixarem o espaço. Apesar de se mostrar indiferente, ela tinha bastante ciência do que estava acontecendo.

       – Se vocês têm problemas comigo resolvam comigo, mas não descontem no nosso time! – bradou pelos corredores quando perdemos uma partida importante. O climão no vestiário piorou; as fofocas já atingiam a equipe. Por alguma razão achei que seria bom intervir e um dia, quando cruzei com ela no banheiro feminino, falei o que pensava:
           – Memê, acho bom você ir conversar com o treinador, não podemos continuar assim!
Silêncio no banheiro. Ela terminava de se vestir e me olhava através do espelho, curiosa.
          – O Binho não tem condições de ser o capitão, são três derrotas consecutivas, cinco no total do semestre. E a menos que queiramos continuar sendo um time de derrotados, precisamos reverter isso.
           – E você sugere o quê?
          – Que você seja a capitã do time. Todos aqui sabemos que você tem talento e é a melhor de nós para isso, de toda equipe, inclusive dos meninos.
Sentia os olhares das meninas em nós, principalmente as que não eram do time. Eu precisava restabelecer a autoconfiança da Memê, ainda que ela não admitisse o abalo, e reforçar a importância dela na condução da equipe.
         – Brisa, não é um capitão que faz um time, são todos. Se a galera não estiver interessada, podem estar os melhores craques do mundo que a equipe não vai pra frente. O que precisamos é de motivação e mais treinamento.
        – Podemos ficar mais meia hora depois dos treinos – disse uma das meninas, deixando claro que a conversa estava sendo ouvida
         – E treinar mais as técnicas de defesa – falou outra

         As ideias foram surgindo, com mais meninas do time se aproximando. Fizemos a reunião dentro do banheiro mesmo, depois juntamos os meninos e fomos até o treinador. Expusemos todas as propostas, inclusive a ideia que tive de tirar a braceleira do Binho – ele pareceu ficar chateado comigo, mas nada disse. Com a autoestima restabelecida e mais empenhados, voltamos a jogar melhor, mesmo não vencendo.
        Mas a história da reunião no banheiro rolou de boca em boca e tomou proporções inesperadas:
        Na semana seguinte, eu era a namorada dela.
       Enquanto eu fiquei chocada, Memê tirou sarro da situação, dizendo que eu não fazia o seu tipo. O meu grupinho de amigos em sala de aula também entendeu que era mais uma forma de abalar o time. No entanto, além das zoações na escola, tive que aturar a Gina e as amigas dela caçoando de mim no condomínio.

        A fofoca, porém, durou pouco tempo. Um dia aguardava no pátio a hora do treino quando uma enorme algazarra se formou no portão de saída. Vi o inspetor passar arrastando Memê pelo braço, enquanto outra professora conduzia uma garota mais velha – aquela na qual ela se debruçara quando me tornei a revelação futebolística da escola. Perguntei a uma das meninas próxima a mim o que estava acontecendo.

        – Você não soube? Tua namorada te traiu com outra.
      
      Aí eu descobri o motivo da confusão: Memê fora flagrada aos beijos com outra menina em um canto da escola.


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