Parte V – De menino, De menina...
Aquele
verão não foi o mesmo sem a presença de Memê. Ela foi embora, morar com o pai. Eu
fui colocada de castigo por ter saído de casa, e meu pai não permitiu que eu voltasse
a praticar futebol. Mas entre ficar trancada e ao menos ver os meninos jogarem,
a segunda tortura era mais suportável.
E
em uma tarde, daquelas bem quentes de janeiro, Binho aproximou-se,
estranhamente acanhado, enquanto eu fingia ler para ver jogo dos meninos. Ele
queria saber como eu estava, se voltaria a jogar, enfim... Eu simplesmente não
sabia o que lhe responder, uma vez que depois do que acontecera com Memê, o
muro que separa as coisas de meninos das coisas de meninas foi reerguido com
alicerces de aço.
–
Os jogos nunca serão os mesmos sem a Memê – disse ele, depois de um certo silencio
– Acho que você supera a falta dela. Eu sinto muito que as coisas tenham
terminado assim entre vocês.
Fiz
aquela cara de “Do que você está falando?”
–
Você e a Memê... Não sabia daquela outra garota...
–
Você achou que eu fosse apaixonada pela Memê? – perguntei. E a cara dele de
quem já não tinha tanta certeza das coisas foi tão hilária que me fez rir.
–
Todo mundo no condomínio pensava que vocês tinham alguma coisa.
–
Imagino... É incrível a quantidade de coisas que fazemos segundo a cabeça dos
outros!
Naquele
instante me dei conta de que havia crescido. Como eu percebi isto? Bem, o fato
de sequer me importar que o condomínio inteiro falasse de mim pelas costas foi
uma grande prova. Em outros tempos eu teria ficado neurótica, querendo saber de
todos os pontos e vírgulas do assunto e traçando meios de reverter a opinião a
meu favor. Mas eu vi como é viver de acordo com o olhar dos outros e como essa
opinião generalizada pode destruir alguém. E se minha vida era mais interessante
que a deles a tal ponto, que ficassem com suas fofocas.
–
E então?
–
Então o que Binho?
–
Você era ou não a namorada dela?
–
É isso que está te afligindo? Que diferença fará se eu tiver sido ou não? As
pessoas não já determinaram isto?
–
Ia fazer pra mim... – respondeu ele baixinho.
E
de repente aquela conversa seguiu para um rumo que não tinha nada a ver com a
Memê. Tinha a ver com o fato de eu também ser uma garota, que mandava muito bem
na bola, modéstia à parte, e que tinha uma relação bacana com muitos garotos
que também gostavam de jogar futebol. E um deles, o que arrastava o coração de
metade das garotas do condomínio, estava na minha frente se remoendo para saber
se eu havia ou não namorado uma menina.
–
Porque saber é importante para você, Binho?
- perguntei, numa voz tão sussurrada quanto a dele.
Ele
não respondeu, mas no fundo eu sabia.
–
Eu nunca fui “a namorada dela”, mas ela sempre será uma referência para mim, e
toda vez que eu vir alguém sendo julgado injustamente por ser quem é, vou
lembrar como agiram errado, como tentaram quebrar sua autoestima. Sinceramente,
eu não quero jogar mais bola, pelo menos não aqui no condomínio nem na escola
porque não quero estar com pessoas que deixam sua opinião ser baseada nas
calúnias que outros dizem. Memê é uma garota apaixonante e admirável, e quer saber?
Deve ser maravilhoso ser a namorada dela...
Semanas
depois recebi um postal de Minas Gerais. Não entendi direito até ver que na
assinatura tinha um “MM”. Bati no apartamento de D. Dora, com o postal na mão e
lágrimas nos olhos.
– Ela está feliz Brisa. Vai ficar
bem com o pai! Ele nunca foi bom de brincar de casinha, ela também não, então
vão se entender...!
Desde então, por anos tenho recebido
postais de diversas partes do mundo, sem endereço. E confesso que a expectativa
de recebê-los norteia a minha vida, já que apesar de todas as conquistas, nunca
pensei em me mudar. A mudança mais importante fora por dentro, naqueles anos em
que aquela menina-moleque me ensinou sobre liderança, motivação e amizade
verdadeira. Que meninas também podiam arrasar no futebol e fazer qualquer coisa
que quisessem, desde que tivessem dedicação.
***
–
Brisa corre aqui! – chamou o Binho, da sala de conferência onde estavam
reunidos os alunos de sua escolinha de futebol, interrompendo os pensamentos
dela. A primeira partida da Copa feminina iria começar, e ele e a parceira
queriam que a turma observasse criticamente como jogavam as equipes
estrangeiras. – Veja quem está com a camisa 10.
Brisa
olhou o monitor e seus olhos marejaram.
Lá
estava sua amiga Memê.
Ela
conseguiu ser quem ela queria.
E em uma tarde, daquelas bem quentes de janeiro, Binho aproximou-se, estranhamente acanhado, enquanto eu fingia ler para ver jogo dos meninos. Ele queria saber como eu estava, se voltaria a jogar, enfim... Eu simplesmente não sabia o que lhe responder, uma vez que depois do que acontecera com Memê, o muro que separa as coisas de meninos das coisas de meninas foi reerguido com alicerces de aço.
– Os jogos nunca serão os mesmos sem a Memê – disse ele, depois de um certo silencio – Acho que você supera a falta dela. Eu sinto muito que as coisas tenham terminado assim entre vocês.
Fiz aquela cara de “Do que você está falando?”
– Você e a Memê... Não sabia daquela outra garota...
Naquele instante me dei conta de que havia crescido. Como eu percebi isto? Bem, o fato de sequer me importar que o condomínio inteiro falasse de mim pelas costas foi uma grande prova. Em outros tempos eu teria ficado neurótica, querendo saber de todos os pontos e vírgulas do assunto e traçando meios de reverter a opinião a meu favor. Mas eu vi como é viver de acordo com o olhar dos outros e como essa opinião generalizada pode destruir alguém. E se minha vida era mais interessante que a deles a tal ponto, que ficassem com suas fofocas.
– E então?
E de repente aquela conversa seguiu para um rumo que não tinha nada a ver com a Memê. Tinha a ver com o fato de eu também ser uma garota, que mandava muito bem na bola, modéstia à parte, e que tinha uma relação bacana com muitos garotos que também gostavam de jogar futebol. E um deles, o que arrastava o coração de metade das garotas do condomínio, estava na minha frente se remoendo para saber se eu havia ou não namorado uma menina.
– Porque saber é importante para você, Binho? - perguntei, numa voz tão sussurrada quanto a dele.
Ele não respondeu, mas no fundo eu sabia.
– Eu nunca fui “a namorada dela”, mas ela sempre será uma referência para mim, e toda vez que eu vir alguém sendo julgado injustamente por ser quem é, vou lembrar como agiram errado, como tentaram quebrar sua autoestima. Sinceramente, eu não quero jogar mais bola, pelo menos não aqui no condomínio nem na escola porque não quero estar com pessoas que deixam sua opinião ser baseada nas calúnias que outros dizem. Memê é uma garota apaixonante e admirável, e quer saber? Deve ser maravilhoso ser a namorada dela...
Semanas depois recebi um postal de Minas Gerais. Não entendi direito até ver que na assinatura tinha um “MM”. Bati no apartamento de D. Dora, com o postal na mão e lágrimas nos olhos.
– Ela está feliz Brisa. Vai ficar bem com o pai! Ele nunca foi bom de brincar de casinha, ela também não, então vão se entender...!
Desde então, por anos tenho recebido postais de diversas partes do mundo, sem endereço. E confesso que a expectativa de recebê-los norteia a minha vida, já que apesar de todas as conquistas, nunca pensei em me mudar. A mudança mais importante fora por dentro, naqueles anos em que aquela menina-moleque me ensinou sobre liderança, motivação e amizade verdadeira. Que meninas também podiam arrasar no futebol e fazer qualquer coisa que quisessem, desde que tivessem dedicação.
***
Brisa olhou o monitor e seus olhos marejaram.