segunda-feira, 29 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfic baseada na obra literária A Senhora do Trílio  de Marion Zimmer Bradley


Capítulo VI - Recepção

           A recepção ocorreu tranquilamente, para alívio dos regentes das duas terras, fartos de surpresas. A conduta de Mikayla e Fiolon durante a cerimônia ainda era comentada pelas mesas, e o fenômeno das estrelas também – que ainda foi vista tão logo o Sol se pôs. Quando questionado pelos magos, Fiolon deu a mesma resposta que dera a Mikayla; tudo era uma questão de estudo. Astrônomos antigos calcularam que um cometa passaria próximo do planeta e sua cauda provocaria uma chuva de meteoros: utilizou seus poderes para que parte deles projetasse a sombra no sol e outra parte ficasse suspensa tempo suficiente para formular a frase.

                – Qualquer mago com um pouco de dedicação conseguiria fazer – finalizou, deixando alguns entre constrangidos e enfurecidos.
               
               Ainda que tudo corresse bem, com o passar das horas Mikayla começou a sentir-se sufocada no meio de tantas pessoas que a felicitavam. Circulou alguns momentos com Fiolon, mas quando as formalidades foram encerradas, viu-se conduzida pela mãe para (re)conhecer os nobres presentes, e a partir de então não conseguira uma pausa sequer, já que toda hora cumprimentava um Lorde não-sei-de-onde, um Duque não-se-sabe-quem ou um Conde de-não-sei-que-lá.
             
            “– Passei tantos anos isolada na torre, que agora não consigo lidar com multidões” – pensou consigo mesma.
          ”– Ora, não foram tantos anos nem um completo isolamento!” – ecoou um comentário em sua mente. Mikayla sorriu para as damas que conversavam com ela sobre as maravilhas da vida a dois, e correu os olhos pelo salão à procura do dono do comentário. Fiolon encontrava-se em uma mesa distante, conversando com alguns duques do reino de Raktum. No instante em que seu olhar o encontrou, seu colar mágico vibrou e ele também mirou em sua direção, sorrindo.
           “– Pare de ouvir meus pensamentos!”
         “– É você quem não os bloqueia de maneira adequada!” – ele respondeu, enquanto ria com os demais duques de uma piada ordinária que haviam acabado de contar. “- Quer se retirar?”
          “– Acho que suporto mais um pouco!”
    
         Eles tornaram a trocar olhares e Fiolon estendeu a taça que trazia consigo, fazendo um brinde á distância. Mikayla fez o mesmo, entre as risadinhas daquelas que estavam consigo e que observavam a troca de olhares do casal.
             
          – Então é verdade o que dizem? – uma das damas perguntou
          – O que é verdade? O que dizem? – Mikayla quis saber, voltando à focá-las.
          – Que vocês se uniram antes do casamento?
        O rosto de Mikayla transfigurou-se, tornando-se vermelho de fúria. As mulheres que estavam com elas repreenderam a outra pelo comentário indiscreto, mas pareceram tão curiosas quanto. Mikayla analisou-as de cima abaixo: quem eram aquelas mulheres que invadiam sua intimidade?
          
          “Minhas noras!”, lembrou-se.
             
          Forçou um sorriso:
         – Sabem, fico impressionada com a quantidade de fofocas acerca da vida das pessoas no palácio, e é claro não me surpreenderia ter meu nome ou do meu marido rolando entre elas – e fingindo prestar atenção no líquido que bebia continuou – Eu só acharia arriscado ficar dando ouvidos à tais assuntos, as pessoas mencionadas podem se aborrecer, e quem sabe o que podem fazer um mago poderoso ou uma ex-aprendiz de Arquimaga?
     As mulheres engoliram em seco, enquanto Mikayla se retirava graciosamente da companhia delas.
       – Ela acabou de me ameaçar? – perguntou a jovem nora indiscreta. Mikayla, que ainda estava próxima, não hesitou em responder.
        – Claro que não! – disse com um sorriso sarcástico - Eu jamais ameaçaria alguém no dia do meu casamento!  

        A festa durou até a madrugada, mas ao contrário do que esperavam, o casal não ficou até o fim. O cansaço abateu-lhes de maneira desesperadora, então optaram por uma retirada discreta - mesmo que não o fizessem, os convidados já estavam embriagados demais para notar. Cada um foi até seus aposentos particulares providenciar a substituição de seus trajes de cerimônia pelas vestimentas nupciais. As servas tiveram um trabalho extra para desmanchar as tranças de Mikayla uma vez que as flores engancharam-se em seus cabelos; quando terminaram, a jovem já não esperava mais encontrar seu marido acordado.

          – Você está linda! – disse Fiolon, assim que a viu entrar no quarto - Linda, linda, linda e agora é só minha! Ninguém poderá tirá-la de mim!
         – Não esqueça que sou da terra também! – respondeu Mikayla, fechando a porta atrás de si.
            – Somos! – ele completou, aproximando-se e beijando-lhe a testa.
           Uma sombra tomou o rosto de Mikayla, enquanto caminhavam em direção à cama.
           
            – O que houve?
           – Sobre eu estar linda e não ser.... –  e vendo que o marido permanecia confuro, ela retirou a magia, e os traços de criança voltaram a aparecer em seu rosto. –  tudo isso é charme, não vê?
             – Eu vejo a minha Mikayla, a Dama Branca, Arquimaga de Laboruwenda, e acima de tudo, aquela a quem escolhi amar desde os sete anos!
        – Mas ainda uma criança Fio... – ela disse, abraçando-o – As minhas noras insinuaram...
            – Eu ouvi o que aquela idiota comentou, mas, Mika, quem se importa? É bom que pensem que dormimos antes, assim ninguém duvidará da consumação do nosso casamento! Ninguém precisa saber que ainda não amadurecemos, é o preço que pagamos em troca de zelar pelas terras. Não podemos fazer o que casais normais fazem na noite de núpcias, não agora, mas um dia poderemos. De tudo que nos aconteceu, o melhor ainda é permanecemos lado a lado, como sempre foi!
           – Nem Haramis pode prever esta: dois arquimagos pelo preço de um! – comentou ela, com a alegria voltando a iluminar seu rosto
             – Talvez ela tenha previsto, mas não compreendeu os sinais de maneira adequada. Mestre Uzum me contou na época que nós dois aparecemos na visão dela, nós dois! Ainda que não nos desgrudássemos, haviam momentos em que ficávamos sós, você seria vista sozinha.
             – Nunca soube disto... será?
            – É uma suposição... Eu nunca seria arquimago de Var se Haramis não tivesse nos sequestrado juntos e eu tivesse ficado doente, ou se eu não tivesse feito nevar na cidadela enquanto você aprendia feitiçaria do tempo...
             – ... ela não teria vindo pra cá e tentado nos separar com aquele feitiço horrível...
             – ... não teria ficado doente, o que possibilitou minha ida para a torre...
             –... e estudarmos juntos com Uzun.
               
        Eles ficaram em silêncio, relembrando a época em que tudo era motivo para que tentassem se comunicar; crianças que queriam brincar juntas e a arquimaga má não permitia deixar. Mas será que era isso que a terra queria?
                – São muitos “se’s”... – murmurou Mikayla.
                – E agora estamos aqui, com um futuro melhor do que tínhamos naquela época – ele riu.
              Mikayla olhou para Fiolon. Enquanto conversavam o charme também usado por ele se desfez, e o rosto imberbe exibiu o físico do menino de catorze anos que ele  era. Ela ficou satisfeita com isto: seu problema não era o retardo em seu próprio amadurecimento, mas sim que acontecesse com ele primeiro que ela.




domingo, 21 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfic baseada no romance "A Senhora do Trílio" de Marion Zimmer Bradley.

Capítulo V - Cerimônia


O salão onde a cerimônia de casamento se realizaria estava abarrotado. Guirlandas de flores do trílio, símbolo da terra e da casa real estavam em todas as colunas, finalizados por faixas verdes-musgo, a cor favorita de Mikayla, por lhe lembrar dos pântanos. Não estava frio, mas pequenas pedras aquecidas estavam espalhadas pelo lugar, a fim de diminuir a umidade. Ainda que os janelões abertos dessem para jardins reais, a umidade local e o grande número de pessoas reunidas no lugar aumentavam a sensação de calor. Fora que arrumar os nobres por ordem de título e afinidade era uma tarefa árdua para o mestre de cerimônias, pois não adiantava ter sido o primeiro a chegar se seu título era o mais baixo. Isso provocava constantes reacomodações, já que muitos nobres resolveram ir ao evento na última hora, de acordo com suas vontades. Foi preciso uma intervenção da Rainha, determinando que, a partir daquele momento, quem chegasse teria que se contentar com lugares nos fundos do salão. E pediu que os guardas reais contivessem qualquer convidado que tentasse fazer escândalo.

          Os noivos não atrasaram. Após a entrada da família real de Laboruwenda, incluindo os reis, seus seis filhos e seus respectivos companheiros, Mikayla entrou no salão, pajeada por duas de suas sobrinhas. Seu vestido era de um tom esverdeado claro, com rendas floridas e mangas compridas que cobriam as costas da suas mãos. Havia um decote na parte de trás, onde seus cabelos vermelhos, presos em uma longa trança enfeitada com flores do campo, impediam de deixar suas costas totalmente expostas. Quando chegou no altar, sentou-se na cadeira de espaldar alto, feita de madeira e cravejada de pedras, que estava entre os seus pais: era o lugar da noiva.

          Todos a postos, foi anunciada a entrada do Rei de Var, que faria o papel dos pais do noivo. Quando Fiolon entrou, Mikayla prendeu a respiração: a imagem que lhe roubara de sua visão do espelho não fazia jus a beleza dele. Nem revelou a barba aparada que ele ostentava! Mikayla achou aquilo estranho e segurou o riso para não estragar a cerimônia. Aparentemente Fiolon também fez uso do charme para parecer mais velho aos olhos de todos. Postou-se ao lado do Rei de var, para que este fizesse a declaração de costume:

        – Reis de Laboruwenda, estou aqui para pedir lhes que concedam a mão de vossa filha ao meu tão amado sobrinho, Lorde Fiolon de Var. Ele é um rapaz próspero, possui um ducado em Let e lida habilmente com extração de madeira em meu Reino. Possui conhecimento dos sábios e tenho certeza que será um bom marido para vossa filha tão querida, a Princesa Mikayla de Laboruwenda.

          – Rei de Var – começou o pai de Mikayla – é com muita alegria que o recebo em meu reino para esta cerimônia. Considero tua intervenção, mas agora quero ouvir do rapaz. Diga-me Lorde Fiolon de Var, Duque de Let: porque quer a mão da minha filha?

       Toda aquela ladainha era conhecida de quaisquer noivos daquelas terras: primeiro alguém apresenta o noivo ao pai da noiva, enaltecendo suas qualidades, e depois o pai da noiva (que há muito tempo sabia das qualidades do futuro genro!) pediae que este enalteça as qualidades da mulher que ele mal conheceu – isso segundo a mente de Mikayla. O discurso do noivo costumava ser uma bajulação sem fim, e Mikayla já começava a achar a cerimônia tediosa.

          – Majestade, é com todo respeito que venho até vós pedir a mão da princesa Mikayla em casamento. Conheço-a desde minha tenra infância e a amo desde então. Ela é, sempre foi e sempre será minha melhor amiga e objeto principal de meu afeto (e aqui Mikayla esqueceu todo o tédio!). Amo a sua sabedoria e a sua impaciência, a sua coragem e o seu destemor. Mas acima de tudo, eu a amo porque ela faz parte de mim: já não sei mais quando sou eu ou quando sou Mikayla pois nossos pensamentos se completam. Somos dois e somos um. - Fiolon fixara o olhar em Mikayla ao dizer aquelas últimas frases. Por tudo que vivenciaram juntos, aquela era uma verdade absoluta. – Posso lhes assegurar majestades – continuou ele, desviando o olhar dela e direcionando aos pais de Mikayla e seu tio – que se não for de vosso agrado a nossa união, sou capaz de sequestrá-la e levá-la comigo para sempre!

        Exclamações de espanto foram ouvidas da plateia; afirmações deste tipo não eram consideradas respeitosas diante da formalidade da cerimônia. Fiolon piscou para Mikayla, que mantinha um sorriso de ponta a ponta no rosto, enquanto o Rei de Var estava pasmo:

         – Fiolon! Mas que afirmação mais desnecessária a se fazer neste momento! Peça desculpas ao Rei!
Antes que Fiolon abrisse a boca, a Rainha interveio:

        – Não é necessário majestades... conheço muito bem os meus “filhos” e Fiolon tornou-se um deles quando foi abrigado por mim aqui neste reino. Sabemos que não falou por mal, apenas quis expressar, de maneira “muito equivocada”, o apreço que tem pela princesa.

      Risinhos abafados ecoaram pela plateia. Fiolon começou a se sentir desconfortável com a fúria que via nos olhos do Rei de Laboruwenda pela descortesia. Mas estava feito, e o Rei, ainda que vermelho, bufou um “humpft” e assentiu, voltando às formalidades.
– Cabe a última palavra á minha filha. Princesa Mikayla, é do seu interesse desposar Lorde Fiolon de Var, Duque de Let?
Mikayla apressou-se em responder:
– Ora papai que pergunta mais idiota: é claro que me caso com Fiolon! – outro espanto entre os convidados. - Nem seria necessário ele me sequestrar pois eu fugiria com ele sem pensar duas vezes!!
Desta vez todos aplaudiram a espontaneidade dos noivos.
– Vê-se que não há como ser contra tal união, então eu o aceito Lorde Fiolon de Var, Duque de Let como meu genro!
Mais palmas explodiram pelo salão. Fiolon estendeu as mãos para Mikayla, outra coisa fora do protocolo. Ela questionou-o mentalmente, percebendo suas mãos frias de nervosismo e ele simplesmente sorriu:
– Vem comigo, terá uma surpresa!

          Mikayla pulou do altar e juntos seguiram correndo pelo meio do salão em direção aos jardins sobre os gritos de “Voltem aqui!!” do Rei. A Rainha a esta altura já havia se jogado em seu trono, não tendo mais com o que se surpreender. “Porque eles têm que estragar tudo?” queixou-se. Aquele seria o momento em que os noivos declamariam seus votos; ao invés disto, convidaram todos para segui-los até os jardins. Lá, Fiolon descalçou os sapatos e pediu que Mikayla fizesse o mesmo. Tomando as mãos da princesa, disse com afinco:
– Princesa Mikayla, filha legítima de Laboruwenda: por esta terra que pisamos e que dá a vida, pela luz do nosso Sol invicto e das três luas, pelo sangue que corre em minhas veias e pelo ar que eu respiro eu juro: serei teu até o dia de minha morte, e na minha vida não haverá ninguém além de ti!
– Mas que raio de juramento é este? – sussurrou o Rei para a Rainha
– Eu não sei, mas é o mais lindo que eu já ouvi! – ela respondeu. De fato ainda tinha com o que se surpreender com aqueles dois.

       Mikayla encontrava-se tão extasiada com os votos que acabara de ouvir que esqueceu-se de que deveria recitar os seus votos. Havia decorado as palavras usuais, mas diante da originalidade de Fiolon, sentiu-se livre das formalidades; após um “é a sua vez!” sussurrado em sua mente pelo rapaz, declarou:

– Lorde Fiolon de Var, Duque de Let, meu Lorde... – e calou-se, pois por pouco revelaria a condição de Fiolon como arquimago ao chamá-lo de “Lorde Branco” – Dono do meu coração. Se conjurou o vosso amor pelas coisas sagradas deste reino, eu também juro pela terra abaixo de meus pés, pelo sangue que corre em minhas veias, pelo Sol que ilumina nossos dias e pelo ar que eu respiro, que serei tua até o dia de minha morte, e no que vier além dela. Não haverá homem algum além de ti.

        Fiolon tomou Mikayla nos braços e a beijou. Palmas e aclamações de felicitações foram ouvidas de todos os cantos. O casamento estava feito finalmente, mas ainda não havia terminado: de repente tudo escureceu. Algo cobriu o sol e a penumbra gerada permitiu que as estrelas aparecessem.

           – Não está cedo demais para anoitecer? – perguntou alguém
“–O que está acontecendo Fiolon? Alguma magia das trevas? Porque eu juro que fiquei calma e não mexi mais com a terra!”
         "– Não se preocupe” – ele respondeu-lhe sorrindo – “Este é meu presente para você. Apenas observe”
         
          Ele apontou para a direção do nascer do sol e milhares de pontos de luz começaram a riscar o céu. Eram meteoritos, uma chuva deles. Alguém gritou que era o fim do mundo, e muitos correram para se proteger, antes de concluírem que era um efeito meteorológico. Os magos presentes ficaram intrigados: conheciam o fenômeno, mas nunca presenciaram fora das habituais horas de escuridão.
           
             – Continue olhando! – Fiolon sussurrou.
       
        À leste, as estrelas cadentes começaram a estacar no céu, tomando forma de palavras, para a maravilha daqueles que o assistiam. “Mikayla e Fiolon para sempre!” foi lido por todo o céu de Laboruwenda e nas terras atingidas pela escuridão do sol provocada pelo Arquimago de Var.
           Mikayla emocionada, cobriu o marido de beijos
           – Como foi que fez isto?? Vai ter que me ensinar!
       
         Quando clareou, muitos ainda estavam bestificados. Ainda que alguns, especialmente os de Var, conhecessem os poderes de Fiolon como mago, testemunhar a manifestação de sua magia estava aquém de sua imaginação. E questionavam seus limites.
          
           – Se ele é capaz de comandar os astros, o que não será capaz de fazer com nossas vidas? – comentavam os leigos entre si
     – Nem em toda literatura mágica houve feito semelhante, nem os arquimagos demonstraram tal nível de domínio: seria ele um? – os magos se questionavam. 
           
           O Duque de Let tornou-se uma incógnita.



segunda-feira, 15 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfic baseada no romance "A Senhora do Trílio" de Marion Zimmer Bradley

  Capítulo IV - Pré-Nupciais


Os dias passaram rápidos e quando todos se deram conta, a comitiva de Var batia à porta e o casamento também. Várias tendas foram instaladas em torno da Cidadela, pois todos os quartos ficaram ocupados, não só por nobres convidados de Var, mas também dos demais países vizinhos como Zinora e Raktum. Seus vassalos mais chegados foram instalados no sótão e como não couberam tantos, o restante teve que ficar em campo. Isto até que não os incomodava: na sua maioria soldados, estavam acostumados ao acampamento; o que de fato importunava muito era o excesso de umidade presente na atmosfera local – oriundos de uma terras litorâneas ou bem ventiladas, o ar dos pântanos pesava-lhes nos pulmões.

O primeiro impulso de Mikayla assim que soube da aproximação da comitiva de Var, foi correr para os braços de seu noivo, só que foi impedida pela Rainha e pelas suas damas: a tradição a proibia que os noivos se vissem antes do casamento. Naquele instante ela não se importou, pois poderia entrar em contato com ele mentalmente, porém não contava que ele a proibisse de vê-lo e criando um bloqueio mental onde só poderiam se ouvir. Isso a deixou irritadíssima e, ás vésperas das bodas, a terra sofreu um pouco com isto: alguns terremotos e tempestades quase prejudicaram a festa.

“– Você quer ficar calma? Ou quer um desastre justamente hoje?” – brigou Fiolon, invadindo a mente dela no dia do casamento.
– Estou farta de tanto mistério! Porque não me deixa vê-lo?”
“– Pelo mesmo motivo que me recuso a vê-la: quero ter direito à minha surpresa, à recordação deste dia... se você não se acalmar eu não consigo terminar de me aprontar, já que sua impaciência se reflete em mim!”

Ela bufava em seu quarto deixando as aias tão nervosas quanto sua mãe impaciente. Uma das auxiliares espetou o dedo quando arrematava um detalhe no vestido e teve que ser substituída por alguém não tão competente, já que seu dedo não parava de sangrar – por sorte não manchou a roupa. As mulheres ficaram agitadas dizendo que aquilo era sinal de mau agouro. Mikayla, que não era nem um pouco supersticiosa e estava além do limite da irritação, preparou-se para fazer uma mágica cicatrizante, quando foi novamente repreendida:

“– Não use magia!”
– VOCÊ ESTÁ ME VIGIANDO AINDA POR QUÊ?? – berrou, espantando todos os que estavam à sua volta. – Ahhhh, não é com vocês...
– Filha o que há com você? Nunca vi alguém tão perturbada assim no dia de seu casamento!
– Mãe, podem me deixar a sós por alguns instantes?

A rainha assentiu e saiu do quarto juntamente com as demais aias. Mikayla se viu as voltas com um vestido bufante inacabado sobre uma apertada armação de arame e muitas anáguas. Desceu do banquinho onde estava e tentou ir em direção à poltrona em que sua mãe estivera sentada pouco antes, levando um tempo considerável para chegar. Ajeitou-se do jeito que pôde e tentou relaxar. Pensou na sua terra, na beleza que ela era: o céu constantemente cinza das chuvas, os pântanos que escondiam inúmeras ruínas de outras civilizações, as diversas tribos humanoides que povoavam aquele lugar, os rios que fluíam e eram meios de vida e de transporte... Era a Senhora de tudo aquilo, sua cuidadora, não devia deixar o ímpeto de suas emoções prejudicar o meio ambiente. Afinal, em breve conquistaria o que tanto desejou, sem deixar de cumprir sua principal obrigação: se casaria com Fiolon, o Arquimago de Var, mas antes disto seu melhor amigo. Não viveriam em uma cabana próxima ao Pântano Verde como planejaram na infância mas sim em uma torre nas montanhas Ohogan, tendo como animais de estimação mudos froniais e abutres gigantes que conversavam com eles através de telepatia. Algumas vezes ao ano teriam que se separar para atender às necessidades das terras das quais eram responsáveis, mas o que eram esses períodos para quem viveria quase uma eternidade? Um piscar de olhos na fração do dia...

Uma canção projetou-se no fundo da mente de Mikayla que a fez sorrir: aqueles pensamentos não eram dela. Fiolon a acalmava de seus próprios aposentos, tal domínio ele tinha sobre a mente da noiva. Ele a fez ver suas responsabilidades e suas realizações sem precisar chamar-lhe a atenção. Quando a aia bateu à porta, Mikayla sinalizou para que entrasse: já estava relaxada. Voltou para o banquinho onde as outras terminariam de arrumá-la em uma placidez que quem quem a vira minutos antes julgaria impossível de se alcançar...

Em uma ala oposta no castelo, aqueles que serviam à Fiolon deliciavam-se com as notas musicais que ecoavam de objetos estranhos. Eram artefatos dos Desaparecidos, ancestrais daquela terra, que ele recolhera das explorações que fizera com Mikayla tempos atrás. Costumava guardar para si tudo que era musical, uma vez que era dotado de um conhecimento nato sobre notas e arranjos, que fora aprimorado ainda mais após a sua iniciação em magia. Quando encontrava-se tenso, a música o acalmava, permitindo que ele equilibrasse os próprios pensamentos. Naquele instante, em meio ao vai e vem de pessoas que o auxiliavam a vestir-se, estava tranquilo, se comparado ao furacão que era a sua noiva momentos antes. Sua mente resistia em visualizá-la, mas mantinha-se ligada a ela por meio da audição e das sensações: Mikayla finalmente se acalmara.

Foram quatro anos de idas e vindas de Var à Laboruwenda, a fim de auxiliar Mikayla enquanto ela se preparava para a função de arquimaga, quando ele já era um. Tornou-se arquimago sem querer, mas não viu nisso uma complicação para sua vida: a magia era inerente a ele, tinha o dom, mais do que Mikayla até, e isso o ajudou a lidar com seu retorno a Var. O Rei ficou encantado com seu trabalho com as tribos e lhe concedeu o ducado de Let e foi aí que alguns problemas começaram: como duque, Fiolon tornou-se um partido de qualidade para as cortesãs e donzelas das famílias nobres. Foram inúmeras as vezes que encontrara mulheres nuas em sua cama, inúmeros os flertes em jantares e os insistentes convites dos nobres que se revelavam artimanhas para que conhecesse suas filhas. Fiolon contou ao rei seu compromisso com Mikayla, mas à medida que seu prestígio aumentava, seu tio parecia esquecer-se disso, empurrando-o para eventos que mais pareciam encontros. Com o tempo sua recusa às mulheres se transformou em boatos mais perniciosos, questionando  sua sexualidade: além das mulheres passou a ser assediado por homens também. Como sempre, foi astucioso ao lidar com a situação: passou a fazer questão de soltar as histórias sobre a origem desconhecida de seu pai, que poderia ser um bruxo, um feiticeiro maligno ou alguém das castas mais baixas. O temor pelo sangue contaminado espalhou-se e logo começaram a diminuir as insinuações. Por outro lado, aumentou-se a desconfiança em seu poder: se herdara a magia de um demônio, quais a seriam seus limites?

Estas questões o divertiam, pois aumentaram o mistério em torno de sua pessoa e lhe permitiram trabalhar em paz. Cumpria seus compromissos na extração de madeira das florestas de Var enquanto mantinha seus cuidados com a terra, aperfeiçoava seus dons e estudava constantemente. Ia e voltava de Laboruwenda quando Mikayla precisava de sua ajuda e evitava trazer transtornos para ela junto a Arquimaga Haramis. Quando Mikayla herdou a terra, achou que seus problemas românticos haviam se encerrado, até seu tio propor que se casasse com uma nobre de Raktum. Fiolon o fez recordar-se de seu compromisso em Laboruwenda e temendo que outras tentativas como esta surgisse no futuro, mandou que Mikayla enviasse uma carta aos reis de Ruwenda que seria levada por ele quando pedisse formalmente a mão da princesa em casamento. A carta era uma autorização da Arquimaga de Ruwenda, dando sua benção à união dos dois – desconhecem, no entanto que a arquimaga é a própria Mikayla.

– Está pronto, milorde!

Fiolon voltou seus pensamentos para o momento atual e olhou-se no espelho apenas para reconhecer a si mesmo, um gesto simples, que não lhe era comum. Fechou os olhos rapidamente, mas a imagem já estava lá, impressa na memória.
“– Sua skritekzinha dos infernos!!” – Ele brigou enquanto uma gargalhada ecoava em sua mente.
“– Você está lindo! Como sempre foi!”
“– Saia da minha mente agora! Vou bloqueá-la e se tentar invadir eu juro pelos senhores do ar que não me caso mais!”
“– Não tenho culpa se você se distraiu!” – Mikayla resmungou, entre chorosa e divertida. Agora que conseguira o que queria, ela estava triunfante.
“– Vejo você no altar Dama Branca!” – ele respondeu, numa falsa zanga
Os servos, percebendo sua mudança repentina de humor, ficaram preocupados:
– Aconteceu algo milorde?
– Não... – respondeu com sinceridade. “É só a velha criança com quem vou me casar aprontando das suas”, pensou consigo mesmo e teve que sorrir.



quarta-feira, 10 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de arquimagos

Continuação da Fanfic baseada na obra A Senhora do Trílio, de Marion Zimmer Bradley.

Capítulo III - Artimanhas

O primeiro dia de Mikayla na corte após seis anos de treinamento com a antiga arquimaga acabou sendo mais agitado do que ela mesma esperava. Logo pela manhã foi bombardeada com perguntas sobre o período em que viveu com Haramis, desde as desconfianças desta de que a princesa e Fiolon praticavam imoralidades, até a principal  questão do dia: o porquê de, agora, a relação entre Mikayla e Fiolon ser aprovada. Tais questionamentos já haviam sido ensaiados pelo casal; uma vez que ninguém das terras baixas soubera da morte de Haramis, somente seus servos e espiões mais chegados, a segurança dos arquimagos estaria no rearranjo dos acontecimentos para que não fossem necessárias mentiras e mais mentiras para encobrir a verdade.

     – Confesso que fiquei confusa quando recebi a mensagem solicitando que nos preparássemos para o seu casamento, filha; da última vez que esteve aqui, a Arquimaga quase atentou contra a vida de seu primo.
–Sim mamãe, a Senhora Haramis cometeu alguns atos falhos (verdade), mas no final percebeu que estava enganada a nosso respeito (verdade).
– Acusá-los de imoralidade, vê se tem cabimento? – resmungou a rainha. Haramis não se conformava com a ligação entre Mikayla e Fiolon independente das distâncias e dos feitiços que fazia para separá-los, chegando prestar queixa aos reis.
Mikayla sorriu.
– Ela nunca entendeu que duas pessoas podem se conectar sem serem amantes, ainda que, segundo as lendas, ela fosse conectada às suas irmãs. (Fugi do contexto, mas é verdade. Se querem saber se dormi ou não com Fiolon que sejam diretos!)
– E como fica a sua situação? Você não será mais arquimaga? – perguntou o Rei.
– A terra já possui uma nova arquimaga papai (verdade). Eu estou a serviço dela (da terra e não da arquimaga. Tudo depende do contexto!)
– Como assim, uma nova arquimaga? O que houve com Haramis? – quis saber a rainha.
– A doença dela se agravou (meia verdade, mas nunca vou dizer que foi minha teimosia que a fez optar pela morte a fim de poder dar à terra uma protetora capaz)!
– Quer dizer então que você foi retirada do convívio de sua família por nada?

A jovem analisou o pai. Ele não parecia aborrecido com o assunto anterior nem com esta pauta que ele mesmo levantara. Mikayla entendeu que para ele não fazia diferença o que aconteceria com ela desde que o resultado fosse satisfatório: uma filha feiticeira ou casada com um pretendente promissor não eram alternativas ruins. Naquele instante lembrou-se que os pais não a procuraram em nenhum momento durante os anos que vivera com a arquimaga; ainda que estivesse sob a tutela de alguém da mais alta importância para o reino, não recebeu a visita de sequer um mensageiro. Ou talvez Haramis tivesse suprimido as mensagens?
“Eu as encontraria”, pensou
 – Não vejo desta forma meu pai. Com certeza não aprenderia metade do que sei se tivesse permanecido na Cidadela, muito menos conheceria as necessidades de nossas terras como conheço agora. Ademais, a única coisa que me foi ruim nesta história toda foi ser obrigada a ficar afastada de Fiolon, o único que sempre se importou comigo, uma vez que vocês, se já me ignoravam antes certamente continuariam fazendo-o depois! - e diante das expressões enrubescidas de seus pais, pediu mais vinho e mudou de assunto.

Mais tarde, quando soube do acontecido, Fioloin foi às gargalhadas. Mikayla havia relatado seu “dia de princesa” com escolhas de músicas, vestidos e comidas – escolhas não, pois a mãe decidira tudo por ela explicando lhes as tradições - que a jovem dividiu nas que deveriam ser preservadas e as que beiravam o ridículo  – como passear pela avenida saudando os cidadãos após consumarem o casamento.
– E você, como foi seu dia em Var?
– A corte está um alvoroço, como se já não tivessem festas o suficiente todos os dias. Não terei tempo de ir até o meu ducado e inspecionar a construção da vila...
– Vila? Mas que vila?
– Ah droga, - resmungou Fiolon, e na imagem da pequena esfera que trazia no pescoço, Mikayla percebeu que ele enrubescera. – Não é nada! É um segredo.
– Lorde Fiolon de Var: sabe que não gosto de segredos!
– Você vai gostar deste Mika... por favor não me faça perder os dias de disciplina mental tentando ocultá-lo de você por causa de um mero deslize.
– Disciplina mental? O que você fez?
– É apenas um truque, ensinarei para você depois; aliás não sei se deveria ensinar mas enfim... Preciso ir: a comitiva parte em algumas horas e não posso deixar faltar nada para o rei e seus convidados.
– Você deveria dizer “nossos” convidados...
– Política Mikayla. Terá que se acostumar com isso!

Ele piscou com um sorriso maroto e sua imagem desapareceu da esfera. Mikayla tentou não pensar no monte de gente estranha que teria em seu casamento e para as quais seria obrigada a cumprimentar e sorrir com mesuras. Não estava mais habituada a isto, e era um preço pequeno a pagar pela quase eternidade que poderia passar ao lado do seu escolhido. Pensar nisto acalmou-a, mas não lhe trouxe o sono. Rolou na cama de um lado para o outro e ficou observando o teto, esperando o sono que não vinha. O quarto concedido a ela era o mesmo ocupado pela Arquimaga Haramis na época em que essa era somente uma das princesas trigêmeas e a herdeira do trono de Ruwenda. Junto com as irmãs, assistiu ao covarde assassinato de seus pais, o Rei Krain e a Rainha Kalanthe, por invasores Labornokianos comandados pelo Rei Voltrik e o Arquimago Orogastus – e por isso a ideia de um arquimago homem sempre lhe foi odiosa. Na busca da única arma que poderia derrotá-los, o cetro triplo do poder, cada uma das irmãs seguiu sua jornada e foi nesta que Haramis foi ordenada Arquimaga pela sua antecessora, a Arquimaga Binah, que também lhe concedeu sua parte do talismã: a varinha de prata chamada Círculo das Três Asas. Kadiya, a segunda princesa, encontrou seu talismã, uma espada chamada Olho Ardente Trilobado, nas ruínas do Pântano Dourado, onde outrora fora a cidade de Yatlan. Por lá mesmo se perdera, sem ninguém jamais saber ao certo o que lhe ocorrera, inclusive a própria Haramis: muitos anos antes de morrer não conseguia mais ter a visão da irmã, esta até hoje venerada pelos nyssumos e uisgus. Já a terceira parte do talismã, uma tiara chamada de Monstro das Três Cabeças, coube a mais nova e delicada das irmãs encontrar: Anigel, que enfrentou os skriteks, ardilosos habitantes dos pântanos alagadiços. Junto com suas irmãs derrotou o exército labornokiano e após a vitória, as irmãs mais velhas recusaram o trono e coube a ela governar a então Laboruwenda juntamente com o Príncipe Antar, filho do Rei Voltrik mas que se revoltara contra as arbitrariedades do pai e decidira por um governo mais justo.
Tudo isso ocorrera há muitos anos e fazia parte da história dos reinos. Era obrigação de Mikayla conhecer, principalmente para compreender os motivos pelos quais a Arquimaga Haramis colocou suas emoções acima da razão e deixou o lado labornokiano do reino desamparado; cabia agora a ela reparar este equívoco. Pensar nisso a aborreceu e vendo que não conseguiria dormir, resolveu passear pelo castelo. Acabou inconscientemente indo ao antigo quarto de brincar dela e de Fiolon, no décimo oitavo andar da torre sul daquele castelo, onde ninguém ousaria – sequer se preocuparia – em ir procurá-los. Subia as escadas silenciosamente e sem perder o fôlego, afinal vivia nas montanhas em uma torre tão alta quanto, quando ouviu umas risadinhas furtivas vindas do lugar. “O que está havendo lá em cima?”, perguntou-se, porém, ao chegar, as risadas pararam e não viu ninguém. “Devo estar ficando louca!”. O lugar era pura poeira, mas as marcas de pés no assoalho indicavam que ainda tinha uso para alguém. Mikayla dirigiu-se para a sacada e ficou observando as três luas no céu, todas em quarto crescente. Queria casar-se na lua cheia, mas se a comitiva de convidados atrasasse isto poderia não ser possível.
Foi então que um barulho próximo à porta a assustou:
– Quem está aí?
– Sou eu, irmã!
Era Egon. Mikayla não soube precisar se ele entrava ou saía, uma vez que demorou-se na porta até resolver se aproximar.
– Pensei que este quarto tivesse finalmente sido inutilizado depois que Fiolon partiu – disse ela.
– Ele é mais utilizado do que você imagina – comentou o rapaz, com certa malícia no olhar. Mikayla concluiu que estragara os planos dele indo até lá; aliás, com certeza os planos dele e de alguma outra pessoa – Então, pelo que vejo estava sem sono e resolveu vir recordar-se do tempo que ficava aqui trancafiada com Fiolon?
– Sim, costumávamos ficar aqui partilhando as descobertas de nossas explorações, lendo pergaminhos interessantes, planejando fugas ou simplesmente deixando o dia passar entretidos em algum jogo de estratégia esquecido – respondeu ela, fingindo ignorar as insinuações do irmão. – Ao contrário de muita gente, passávamos o tempo educando nossas mentes e desenvolvendo nossas habilidades, por isso merecemos nossas conquistas.
– Não vejo grande coisa ser Duque de Let quando se é filho de um pai desconhecido
Mikayla ralhou internamente consigo mesma, pois quase revelara ao irmão sua condição e a de Fiolon também como arquimagos da terra. Mudou de assunto, e de maneira mais amistosa, perguntou sobre seus outros irmãos, que já estavam casados e não viviam mais na cidadela, com exceção do príncipe herdeiro. Durante a conversa, novamente Mikayla sentiu-se ignorada pela família: houveram casamentos mas nem sequer um convite, que poderia libertá-la das obrigações com Haramis, mesmo por poucos dias. Egon contou-lhe resumidamente o que aconteceu com cada um de seus irmãos e como o castelo foi ficando mais vazio com a partida deles.
– Foi muito ruim ser o ultimo herdeiro e ter que andar por aí sozinho – lamentou-se ele
– A mamãe finalmente te deixou livre?
Egon fez cara de desprezo
– Quando digo “sozinho” quero dizer com alguém da minha idade, para brincar, divertir-se e ter aventuras, não um bando de educadores ou a mamãe querendo-me ao seu lado para expor às visitas como um bicho de estimação...
Outro sentimento atravessou o coração de Mikayla: pena do irmão. Lembrou-se de si mesma nos primeiros anos de treinamento para ser arquimaga, após Fiolon ser expulso pela primeira vez. Ainda não havia desenvolvido perfeitamente a comunicação mental e sua companhia mais agradável era uma harpa falante, já que os empregados cumpriam seus afazeres domésticos sem dar muita atenção a ela. Compreendia o irmão: no meio de muitas pessoas, também estivera sozinho.
– ... mas agora sou dono do meu próprio nariz e posso fazer o que quiser: festas, jogos, caçadas, expedições...
– Só isso?
– E o que mais poderia? Quer que eu me tranque em uma torre e me torne arquimago? Ou nem isso?
A pena que Mikayla sentia foi embora:


– Quer saber, tem razão Egon: faça o que quiser da sua vidinha real, só sugiro que pense bem para não se arrepender depois. Para seu governo, ser um arquimago é mais do que ficar trancado em uma torre, exige sabedoria, amor e dedicação à terra. Requer conhecimento. Mas você não precisa disso, não é verdade? Afinal, com seu rostinho lindo pode ter o reino aos seus pés e aniquilá-lo com o polegar. Mas beleza e nobreza não são tudo nesta vida, caríssimo irmão, e você se lembrará disto quando estiver a beira da morte e não tiver feito nenhuma grande realização! – esbravejou ela, e antes que o outro tivesse qualquer reação, virou-lhe as costas e o deixou sozinho no sótão, com o pedido de desculpas entalado na garganta e muitas dúvidas na mente...

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfics, ainda que não possam ser comercializadas em função dos direitos autorais, são, assim como os spec-scripts (materiais desenvolvidos baseados em uma série de televisão), excelentes exercícios de criação, pois ajudam a desenvolver texto e trama.
Aqui, a continuação da Fanfic baseada na obra A Senhora do Trílio, de Marion Zimmer Bradley.

  

Capitulo II - Cidadela


O dia passou sem que Mikayla percebesse, entretida que estava em suas obrigações dentro de seu gabinete particular. Ainda que os reinos estivessem unidos há mais de 200 anos, a antiga arquimaga Haramis ignorou a parte que pertencia a Labornok, e agora cabia a Mikayla estabelecer a conexão com aquela parte do reino e sanar os prejuízos causados pelo abandono. Aquelas terras, no entanto, mostravam-se selvagens demais; era necessário compreender suas origens e seus costumes a fim de evitar alterações de seu curso natural. Com isso identificar espécies prejudiciais, distinguir o que era praga e o que era de serventia, equilibrar a proliferação de plantas e animais e cuidar de sua preservação eram as funções prioritárias da Dama Branca, como era popularmente conhecida a arquimaga. Já fizera um grande progresso; sempre que podia explorava aquela região. No centro de seu gabinete repousava um grande mapa de areia, como aqueles utilizados pelos exércitos, que continha todo o território da antiga Ruwenda, e algumas partes pertencentes ao Reino de Labornok preenchidas com areia colorida.  Na base de madeira, onde não havia nenhum trecho de areia, traços milimetricamente riscados indicavam os diversos locais por onde Mikayla ainda deveria passar: pântanos, florestas, ruínas, montanhas e aldeias precisavam compor o mapa, instrumento-base para diversos tipos de magia, principalmente as relacionadas com o clima.  

        – A sopa irá esfriar, senhora ... – Enya anunciou à porta, já com a bandeja na mão. Não gostava que se alimentassem fora da mesa de jantar para que migalhas espalhadas pelos cômodos não atraíssem pragas, mas desde que recebera Mikayla na Torre Branca anos atrás levada pela Senhora Haramis, travava uma luta para alimentar a garota, que não se importava muito com as refeições. “Parar para comer tira minha concentração”, reclamava ela e naquele instante não foi diferente: debruçada sobre o mapa, soprou uma mecha de cabelo que caía sobre a face, num claro muxoxo.
– Uma arquimaga não deve se alimentar como um passarinho, senhora...
– Você sempre diz isto Enya..
– ... Especialmente quando se está prestes a fazer uma viagem!
– Pelos senhores do ar, o sol já está se pondo, preciso me apressar!
– Suas coisas já estão arrumadas alteza, e aqueles que irão acompanhá-la também. Por favor alimente-se. Estamos somente esperando isto para partirmos.
– Estou ansiosa demais para comer: por favor me prepare algumas frutas que comerei no caminho.
– A senhora é quem sabe. Se acontecer algo no caminho e não tiver forças para usar o poder, informarei ao pobre do Fiolon que não poderá se casar devido a vossa insistência em não alimentar-se adequadamente.
– Isso é algum tipo de chantagem Enya?
– Não senhora, de jeito  nenhum... - riu-se a serva, deixando a bandeja sobre o aparador.

Após consumir a sopa, Mikayla estava no pátio junto com alguns de seus servos nyssomus devidamente agasalhados e embrulhados, amarrados dois a dois às costas de alguns abutres gigantes. O frio constante na montanha onde habitavam era insuportável para aquela raça, que eram excelentes servos domésticos, por isso todo aquele trabalho para levá-los às terras baixas. Outros servos, da raça vispi, os ajudavam a acomodar-se. Esses eram nativos das montanhas, habituados ao clima e por isso excelentes nas tarefas externas exigidas pela torre. Não iriam para o casamento pois nas terras baixas o ar era muito úmido e pesado, o que lhes fazia mal. Mikayla foi a última a montar em um abutre: usava uma capa lilás e botas de montaria. Se fosse um humano normal, seriam necessários mais alguns quilos de tecido felpudo para agasalhá-la; mas aquela era a Arquimaga de Laboruwenda e um de seus truques era controlar a temperatura do corpo. O animal que montava era um espécime raro de abutre: era albino, com um par de olhos cor-de-rosa, e foi responsável por ensiná-la este truque, bem como por ampliar sua capacidade de visão à noite.

           “–Está pronta para ser Duquesa de Var?” – perguntou-lhe mentalmente o animal
“– Sempre estive pronta para ser a Senhora Fiolon, ainda que muitas coisas acontecessem no caminho. Só não sei se estou pronta para encarar minha família...”

 Mikayla e Fiolon eram primos. A atual rainha de Laboruwenda, mãe da jovem, era tia de Fiolon e o recolheu em sua corte após a mãe deste, sua irmã, partir para os braços dos Senhores do ar. Fiolon era uma criança tímida e foi recebido com festa por Mikayla, uma criança muito arteira, mas que vivia sozinha. Estabeleceram logo uma grande amizade e sonhavam ser exploradores. Sumiam da corte por dias, investigando as ruínas deixadas pelos Desaparecidos, antigos governadores daquelas terras, mestres das artes e das ciências, mas cuja ambição que surgira entre os seus quase levara o mundo a ruína: resolveram partir e deixar as terras para os seres que criaram habitá-la, os oddlings, até que os humanos retomaram a posse do lugar. Quando a Haramis intimou Mikayla para ser sua sucessora, a jovem e seu amigo acreditaram que o futuro que desejaram para si jamais se concretizaria. Mas o destino tem seus próprios meios de resolver as coisas... 

Assim que Mikayla deu a ordem, os abutres alçaram voo e seguiram em “V” em direção ao Pântano Dourado, onde havia uma aldeia nyssomu na qual pernoitaria com os seus e de lá seguiriam em caravana até a Cidadela. Enya chegou antes e a cabana onde a arquimaga dormiria já estava pronta. Mikayla quis ficar com seus anfitriões um pouco mais - as visitas dos "amigos da arquimaga" eram sempre muito bem-vindas (Mikayla não revelara sua identidade como arquimaga e seus servos lhe juraram fidelidade). Ouviu mais algumas histórias sobre Kadiya, uma das lendárias princesas trigêmeas que ajudou a reunir os reinos de Labornok e Ruwenda, e que em muitas coisas era parecida com ela: ambas tinham cabelos vermelhos, amavam os pântanos, a exploração, e não tinham nenhuma vontade de ser princesa. Na manhã seguinte a caravana partiu, e já bem antes de chegar ao destino muitos cidadãos os saudavam, lançavam flores e água de cheiro. Mikayla estranhou a recepção.

– O que há com esta gente? – perguntou à Enya - Nunca fizeram festa por minha causa, pelo contrário, só me repreendiam ou na maioria das vezes esqueciam que eu existia...
– Bem, a senhora era quase um terremoto na Cidadela quando aprontava das suas, mas ainda assim é uma princesa, e o povo respeita a realeza.
O que nenhuma das duas se davam conta era que, politicamente, mais um casamento com um membro da família real de Var estreitaria ainda mais os laços entre os dois reinos, já estabelecidos pelo casamento da mãe de Mikayla com seu pai, além de facilitar as rotas de comércio, uma vez que Var é proprietária de uma vasta frota marítima; sendo "mar" algo que a maioria dos ruwendianos nunca viram, alguns comerciantes estavam ansiosos para poder ampliar seus negócios.
Uma estonteante jovem de 18 anos desceu da carruagem, causando admirações naqueles que estavam por perto: era impossível não olhá-la.
– O Lorde Branco não ficará nada satisfeito ao saber que exagerou no charme – Enya sussurrou-lhe ao pé do ouvido.
– Calada! – respondeu Mikayla entre os dentes enquanto sorria para o belo rapaz de lindos cachos loiros e grandes olhos azuis que vinha recebê-la.
– Seja bem vinda, princesa Mikayla – ele disse com um sorriso tão perfeito que parecia sonho.
– Os mimos de minha mãe lhe fizeram muito bem, príncipe Egon! – ela respondeu, em tom provocativo – Agradeço as boas-vindas!

        Irmão mais novo de Mikayla, Egon, tornou-se o detentor de todas as atenções da rainha tão logo nasceu, sendo, pelo período anterior à chegada de Fiolon na corte, motivo de ciúmes entre os irmãos do meio, especialmente Mikayla. Com o passar do tempo a situação se inverteu: os irmãos passaram a cuidar de suas próprias vidas e Egon passou a invejar a amizade e a liberdade que Mikayla usufruía para ir e vir, enquanto ele próprio ficava grudado na mãe. Desde garoto mostrara que seria belo – inclusive a arquimaga Haramis quando o viu pela primeira vez previu que seria um conquistator.

– E então irmã: finalmente domou os skritecks?

Mikayla empalideceu por alguns segundos, temendo que seu segredo tivesse sido revelado. Como poderia Egon saber que ela era a arquimaga? Todos os que conheciam seu segredo lhe juraram fidelidade em nome da flor sagrada: a quebra deste implicaria mais que um ato de traição. Egon pareceu confuso com a sua demora em responder, e sua testa franzida, como quem procura entender, fez com que Mikayla voltasse ao passado, quando eram crianças e o irmãozinho insistia em acompanhá-la em suas aventuras; ela sempre o impedia de ir, dizendo que era perigoso pois os skritecks poderiam devorá-lo
“– Então porque você vai?” – ele perguntava, com a testa franzida tal qual fazia naquele instante.
“– Porque eu posso domá-los e ordená-los a não almoçar as pessoas”
– Sim irmão, eu domei os skritecks – ela finalmente disse, em um sorriso forçado. “Assim como todos os animais da nossa terra”