Capítulo VI - Recepção
A recepção ocorreu
tranquilamente, para alívio dos regentes das duas terras, fartos de surpresas.
A conduta de Mikayla e Fiolon durante a cerimônia ainda era comentada pelas
mesas, e o fenômeno das estrelas também – que ainda foi vista tão logo o Sol se
pôs. Quando questionado pelos magos, Fiolon deu a mesma resposta que dera a
Mikayla; tudo era uma questão de estudo. Astrônomos antigos calcularam que um
cometa passaria próximo do planeta e sua cauda provocaria uma chuva de
meteoros: utilizou seus poderes para que parte deles projetasse a sombra no sol
e outra parte ficasse suspensa tempo suficiente para formular a frase.
– Qualquer mago com um pouco de dedicação conseguiria
fazer – finalizou, deixando alguns entre constrangidos e enfurecidos.
Ainda que tudo corresse bem, com o passar das horas Mikayla começou a sentir-se sufocada no meio de tantas pessoas que a felicitavam. Circulou alguns momentos com Fiolon, mas quando as formalidades foram encerradas, viu-se conduzida pela mãe para (re)conhecer os nobres presentes, e a partir de então não conseguira uma pausa sequer, já que toda hora cumprimentava um Lorde não-sei-de-onde, um Duque não-se-sabe-quem ou um Conde de-não-sei-que-lá.
“– Passei tantos anos isolada na torre, que agora não consigo lidar com multidões” – pensou consigo mesma.
”– Ora, não foram tantos anos nem um completo
isolamento!” – ecoou um comentário em sua mente. Mikayla sorriu para as damas
que conversavam com ela sobre as maravilhas da vida a dois, e correu os olhos
pelo salão à procura do dono do comentário. Fiolon encontrava-se em uma mesa
distante, conversando com alguns duques do reino de Raktum. No instante em que seu
olhar o encontrou, seu colar mágico vibrou e ele também mirou em sua direção,
sorrindo.
“– Pare de ouvir meus pensamentos!”
“– É você quem não os bloqueia de maneira adequada!”
– ele respondeu, enquanto ria com os demais duques de uma piada ordinária que
haviam acabado de contar. “- Quer se retirar?”
“– Acho que suporto mais um pouco!”
Eles tornaram a trocar olhares e Fiolon estendeu a taça que trazia consigo, fazendo um brinde á distância. Mikayla fez o mesmo, entre as risadinhas daquelas que estavam consigo e que observavam a troca de olhares do casal.
– Então é verdade o que dizem? – uma das damas perguntou
– O que é verdade? O que dizem? – Mikayla quis saber, voltando à focá-las.
– Que vocês se uniram antes do casamento?
O rosto de Mikayla transfigurou-se, tornando-se
vermelho de fúria. As mulheres que estavam com elas repreenderam a outra pelo
comentário indiscreto, mas pareceram tão curiosas quanto. Mikayla analisou-as
de cima abaixo: quem eram aquelas mulheres que invadiam sua intimidade?
“Minhas noras!”, lembrou-se.
Forçou um sorriso:
– Sabem, fico impressionada com a quantidade de
fofocas acerca da vida das pessoas no palácio, e é claro não me surpreenderia
ter meu nome ou do meu marido rolando entre elas – e fingindo prestar atenção
no líquido que bebia continuou – Eu só acharia arriscado ficar dando ouvidos à
tais assuntos, as pessoas mencionadas podem se aborrecer, e quem sabe o que podem
fazer um mago poderoso ou uma ex-aprendiz de Arquimaga?
As mulheres engoliram em seco, enquanto Mikayla se
retirava graciosamente da companhia delas.
– Ela acabou de me ameaçar? – perguntou a jovem nora
indiscreta. Mikayla, que ainda estava próxima, não hesitou em responder.
– Claro que não! – disse com um sorriso sarcástico - Eu
jamais ameaçaria alguém no dia do meu casamento!
A festa durou até a madrugada, mas ao contrário do
que esperavam, o casal não ficou até o fim. O cansaço abateu-lhes de maneira
desesperadora, então optaram por uma retirada discreta - mesmo que não
o fizessem, os convidados já estavam embriagados demais para notar. Cada um foi
até seus aposentos particulares providenciar a substituição de seus trajes de
cerimônia pelas vestimentas nupciais. As servas tiveram um trabalho extra para
desmanchar as tranças de Mikayla uma vez que as flores engancharam-se em seus
cabelos; quando terminaram, a jovem já não esperava mais encontrar seu marido
acordado.
– Você está linda! – disse Fiolon, assim que a viu
entrar no quarto - Linda, linda, linda e agora é só minha! Ninguém poderá
tirá-la de mim!
– Não esqueça que sou da terra também! – respondeu
Mikayla, fechando a porta atrás de si.
– Somos! – ele completou, aproximando-se e
beijando-lhe a testa.
Uma sombra tomou o rosto de Mikayla, enquanto
caminhavam em direção à cama.
– O que houve?
– Sobre eu estar linda e não ser.... – e vendo que o marido permanecia confuro, ela
retirou a magia, e os traços de criança voltaram a aparecer em seu rosto. – tudo isso é charme, não vê?
– Eu vejo a
minha Mikayla, a Dama Branca, Arquimaga de Laboruwenda, e acima de tudo,
aquela a quem escolhi amar desde os sete anos!
– Mas ainda uma criança Fio... – ela disse,
abraçando-o – As minhas noras insinuaram...
– Eu ouvi o que aquela idiota comentou, mas, Mika, quem se importa? É bom que pensem que dormimos antes, assim ninguém
duvidará da consumação do nosso casamento! Ninguém precisa saber que ainda não
amadurecemos, é o preço que pagamos em troca de zelar pelas terras. Não
podemos fazer o que casais normais fazem na noite de núpcias, não agora, mas um
dia poderemos. De tudo que nos aconteceu, o melhor ainda é permanecemos lado a
lado, como sempre foi!
– Nem Haramis pode prever esta: dois arquimagos pelo
preço de um! – comentou ela, com a alegria voltando a iluminar seu rosto
– Talvez ela tenha previsto, mas não compreendeu os
sinais de maneira adequada. Mestre Uzum me contou na época que nós dois
aparecemos na visão dela, nós dois! Ainda
que não nos desgrudássemos, haviam momentos em que ficávamos sós, você seria
vista sozinha.
– Nunca soube disto... será?
– É uma suposição... Eu nunca seria arquimago de Var
se Haramis não tivesse nos sequestrado juntos e eu tivesse ficado doente, ou se
eu não tivesse feito nevar na
cidadela enquanto você aprendia
feitiçaria do tempo...
– ... ela não teria vindo pra cá e tentado nos
separar com aquele feitiço horrível...
– ... não teria ficado doente, o que possibilitou
minha ida para a torre...
–... e estudarmos juntos com Uzun.
Eles ficaram em silêncio, relembrando a época em que tudo era motivo para que tentassem se comunicar; crianças que queriam brincar juntas e a arquimaga má não permitia deixar. Mas será que era isso que a terra queria?
– São muitos “se’s”... – murmurou Mikayla.
– E agora estamos aqui, com um futuro melhor do que
tínhamos naquela época – ele riu.
Mikayla olhou para Fiolon. Enquanto conversavam o charme também usado por ele se desfez, e
o rosto imberbe exibiu o físico do menino de catorze anos que ele era.
Ela ficou satisfeita com isto: seu problema não era o retardo em seu próprio
amadurecimento, mas sim que acontecesse com ele primeiro que ela.