segunda-feira, 1 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfics, ainda que não possam ser comercializadas em função dos direitos autorais, são, assim como os spec-scripts (materiais desenvolvidos baseados em uma série de televisão), excelentes exercícios de criação, pois ajudam a desenvolver texto e trama.
Aqui, a continuação da Fanfic baseada na obra A Senhora do Trílio, de Marion Zimmer Bradley.

  

Capitulo II - Cidadela


O dia passou sem que Mikayla percebesse, entretida que estava em suas obrigações dentro de seu gabinete particular. Ainda que os reinos estivessem unidos há mais de 200 anos, a antiga arquimaga Haramis ignorou a parte que pertencia a Labornok, e agora cabia a Mikayla estabelecer a conexão com aquela parte do reino e sanar os prejuízos causados pelo abandono. Aquelas terras, no entanto, mostravam-se selvagens demais; era necessário compreender suas origens e seus costumes a fim de evitar alterações de seu curso natural. Com isso identificar espécies prejudiciais, distinguir o que era praga e o que era de serventia, equilibrar a proliferação de plantas e animais e cuidar de sua preservação eram as funções prioritárias da Dama Branca, como era popularmente conhecida a arquimaga. Já fizera um grande progresso; sempre que podia explorava aquela região. No centro de seu gabinete repousava um grande mapa de areia, como aqueles utilizados pelos exércitos, que continha todo o território da antiga Ruwenda, e algumas partes pertencentes ao Reino de Labornok preenchidas com areia colorida.  Na base de madeira, onde não havia nenhum trecho de areia, traços milimetricamente riscados indicavam os diversos locais por onde Mikayla ainda deveria passar: pântanos, florestas, ruínas, montanhas e aldeias precisavam compor o mapa, instrumento-base para diversos tipos de magia, principalmente as relacionadas com o clima.  

        – A sopa irá esfriar, senhora ... – Enya anunciou à porta, já com a bandeja na mão. Não gostava que se alimentassem fora da mesa de jantar para que migalhas espalhadas pelos cômodos não atraíssem pragas, mas desde que recebera Mikayla na Torre Branca anos atrás levada pela Senhora Haramis, travava uma luta para alimentar a garota, que não se importava muito com as refeições. “Parar para comer tira minha concentração”, reclamava ela e naquele instante não foi diferente: debruçada sobre o mapa, soprou uma mecha de cabelo que caía sobre a face, num claro muxoxo.
– Uma arquimaga não deve se alimentar como um passarinho, senhora...
– Você sempre diz isto Enya..
– ... Especialmente quando se está prestes a fazer uma viagem!
– Pelos senhores do ar, o sol já está se pondo, preciso me apressar!
– Suas coisas já estão arrumadas alteza, e aqueles que irão acompanhá-la também. Por favor alimente-se. Estamos somente esperando isto para partirmos.
– Estou ansiosa demais para comer: por favor me prepare algumas frutas que comerei no caminho.
– A senhora é quem sabe. Se acontecer algo no caminho e não tiver forças para usar o poder, informarei ao pobre do Fiolon que não poderá se casar devido a vossa insistência em não alimentar-se adequadamente.
– Isso é algum tipo de chantagem Enya?
– Não senhora, de jeito  nenhum... - riu-se a serva, deixando a bandeja sobre o aparador.

Após consumir a sopa, Mikayla estava no pátio junto com alguns de seus servos nyssomus devidamente agasalhados e embrulhados, amarrados dois a dois às costas de alguns abutres gigantes. O frio constante na montanha onde habitavam era insuportável para aquela raça, que eram excelentes servos domésticos, por isso todo aquele trabalho para levá-los às terras baixas. Outros servos, da raça vispi, os ajudavam a acomodar-se. Esses eram nativos das montanhas, habituados ao clima e por isso excelentes nas tarefas externas exigidas pela torre. Não iriam para o casamento pois nas terras baixas o ar era muito úmido e pesado, o que lhes fazia mal. Mikayla foi a última a montar em um abutre: usava uma capa lilás e botas de montaria. Se fosse um humano normal, seriam necessários mais alguns quilos de tecido felpudo para agasalhá-la; mas aquela era a Arquimaga de Laboruwenda e um de seus truques era controlar a temperatura do corpo. O animal que montava era um espécime raro de abutre: era albino, com um par de olhos cor-de-rosa, e foi responsável por ensiná-la este truque, bem como por ampliar sua capacidade de visão à noite.

           “–Está pronta para ser Duquesa de Var?” – perguntou-lhe mentalmente o animal
“– Sempre estive pronta para ser a Senhora Fiolon, ainda que muitas coisas acontecessem no caminho. Só não sei se estou pronta para encarar minha família...”

 Mikayla e Fiolon eram primos. A atual rainha de Laboruwenda, mãe da jovem, era tia de Fiolon e o recolheu em sua corte após a mãe deste, sua irmã, partir para os braços dos Senhores do ar. Fiolon era uma criança tímida e foi recebido com festa por Mikayla, uma criança muito arteira, mas que vivia sozinha. Estabeleceram logo uma grande amizade e sonhavam ser exploradores. Sumiam da corte por dias, investigando as ruínas deixadas pelos Desaparecidos, antigos governadores daquelas terras, mestres das artes e das ciências, mas cuja ambição que surgira entre os seus quase levara o mundo a ruína: resolveram partir e deixar as terras para os seres que criaram habitá-la, os oddlings, até que os humanos retomaram a posse do lugar. Quando a Haramis intimou Mikayla para ser sua sucessora, a jovem e seu amigo acreditaram que o futuro que desejaram para si jamais se concretizaria. Mas o destino tem seus próprios meios de resolver as coisas... 

Assim que Mikayla deu a ordem, os abutres alçaram voo e seguiram em “V” em direção ao Pântano Dourado, onde havia uma aldeia nyssomu na qual pernoitaria com os seus e de lá seguiriam em caravana até a Cidadela. Enya chegou antes e a cabana onde a arquimaga dormiria já estava pronta. Mikayla quis ficar com seus anfitriões um pouco mais - as visitas dos "amigos da arquimaga" eram sempre muito bem-vindas (Mikayla não revelara sua identidade como arquimaga e seus servos lhe juraram fidelidade). Ouviu mais algumas histórias sobre Kadiya, uma das lendárias princesas trigêmeas que ajudou a reunir os reinos de Labornok e Ruwenda, e que em muitas coisas era parecida com ela: ambas tinham cabelos vermelhos, amavam os pântanos, a exploração, e não tinham nenhuma vontade de ser princesa. Na manhã seguinte a caravana partiu, e já bem antes de chegar ao destino muitos cidadãos os saudavam, lançavam flores e água de cheiro. Mikayla estranhou a recepção.

– O que há com esta gente? – perguntou à Enya - Nunca fizeram festa por minha causa, pelo contrário, só me repreendiam ou na maioria das vezes esqueciam que eu existia...
– Bem, a senhora era quase um terremoto na Cidadela quando aprontava das suas, mas ainda assim é uma princesa, e o povo respeita a realeza.
O que nenhuma das duas se davam conta era que, politicamente, mais um casamento com um membro da família real de Var estreitaria ainda mais os laços entre os dois reinos, já estabelecidos pelo casamento da mãe de Mikayla com seu pai, além de facilitar as rotas de comércio, uma vez que Var é proprietária de uma vasta frota marítima; sendo "mar" algo que a maioria dos ruwendianos nunca viram, alguns comerciantes estavam ansiosos para poder ampliar seus negócios.
Uma estonteante jovem de 18 anos desceu da carruagem, causando admirações naqueles que estavam por perto: era impossível não olhá-la.
– O Lorde Branco não ficará nada satisfeito ao saber que exagerou no charme – Enya sussurrou-lhe ao pé do ouvido.
– Calada! – respondeu Mikayla entre os dentes enquanto sorria para o belo rapaz de lindos cachos loiros e grandes olhos azuis que vinha recebê-la.
– Seja bem vinda, princesa Mikayla – ele disse com um sorriso tão perfeito que parecia sonho.
– Os mimos de minha mãe lhe fizeram muito bem, príncipe Egon! – ela respondeu, em tom provocativo – Agradeço as boas-vindas!

        Irmão mais novo de Mikayla, Egon, tornou-se o detentor de todas as atenções da rainha tão logo nasceu, sendo, pelo período anterior à chegada de Fiolon na corte, motivo de ciúmes entre os irmãos do meio, especialmente Mikayla. Com o passar do tempo a situação se inverteu: os irmãos passaram a cuidar de suas próprias vidas e Egon passou a invejar a amizade e a liberdade que Mikayla usufruía para ir e vir, enquanto ele próprio ficava grudado na mãe. Desde garoto mostrara que seria belo – inclusive a arquimaga Haramis quando o viu pela primeira vez previu que seria um conquistator.

– E então irmã: finalmente domou os skritecks?

Mikayla empalideceu por alguns segundos, temendo que seu segredo tivesse sido revelado. Como poderia Egon saber que ela era a arquimaga? Todos os que conheciam seu segredo lhe juraram fidelidade em nome da flor sagrada: a quebra deste implicaria mais que um ato de traição. Egon pareceu confuso com a sua demora em responder, e sua testa franzida, como quem procura entender, fez com que Mikayla voltasse ao passado, quando eram crianças e o irmãozinho insistia em acompanhá-la em suas aventuras; ela sempre o impedia de ir, dizendo que era perigoso pois os skritecks poderiam devorá-lo
“– Então porque você vai?” – ele perguntava, com a testa franzida tal qual fazia naquele instante.
“– Porque eu posso domá-los e ordená-los a não almoçar as pessoas”
– Sim irmão, eu domei os skritecks – ela finalmente disse, em um sorriso forçado. “Assim como todos os animais da nossa terra”



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