Continuação da Fanfic baseada na obra A Senhora do Trílio, de Marion Zimmer Bradley.
Capítulo III - Artimanhas
O primeiro
dia de Mikayla na corte após seis anos de treinamento com a antiga arquimaga
acabou sendo mais agitado do que ela mesma esperava. Logo pela manhã foi
bombardeada com perguntas sobre o período em que viveu com Haramis, desde as
desconfianças desta de que a princesa e Fiolon praticavam imoralidades, até a principal
questão do dia: o porquê de, agora,
a relação entre Mikayla e Fiolon ser aprovada. Tais questionamentos já haviam
sido ensaiados pelo casal; uma vez que ninguém das terras baixas soubera da
morte de Haramis, somente seus servos e espiões mais chegados, a segurança dos
arquimagos estaria no rearranjo dos acontecimentos para que não fossem
necessárias mentiras e mais mentiras para encobrir a verdade.
– Confesso
que fiquei confusa quando recebi a mensagem solicitando que nos preparássemos
para o seu casamento, filha; da última vez que esteve aqui, a Arquimaga quase
atentou contra a vida de seu primo.
–Sim mamãe,
a Senhora Haramis cometeu alguns atos falhos (verdade), mas no final percebeu que estava enganada a nosso respeito
(verdade).
– Acusá-los
de imoralidade, vê se tem cabimento? – resmungou a rainha. Haramis não se
conformava com a ligação entre Mikayla e Fiolon independente das distâncias e
dos feitiços que fazia para separá-los, chegando prestar queixa aos reis.
Mikayla
sorriu.
– Ela nunca
entendeu que duas pessoas podem se conectar sem serem amantes, ainda que,
segundo as lendas, ela fosse conectada às suas irmãs. (Fugi do contexto, mas é verdade. Se querem saber se dormi ou não com
Fiolon que sejam diretos!)
– E como
fica a sua situação? Você não será mais arquimaga? – perguntou o Rei.
– A terra
já possui uma nova arquimaga papai (verdade).
Eu estou a serviço dela (da terra e não da
arquimaga. Tudo depende do contexto!)
– Como
assim, uma nova arquimaga? O que houve com Haramis? – quis saber a rainha.
– A doença dela se agravou
(meia verdade, mas nunca vou dizer que
foi minha teimosia que a fez optar pela morte a fim de poder dar à terra uma
protetora capaz)!
– Quer
dizer então que você foi retirada do convívio de sua família por nada?
A jovem analisou o pai. Ele não parecia aborrecido com o assunto anterior nem com esta
pauta que ele mesmo levantara. Mikayla entendeu que para ele não fazia
diferença o que aconteceria com ela desde que o resultado fosse satisfatório:
uma filha feiticeira ou casada com um pretendente promissor não eram
alternativas ruins. Naquele instante lembrou-se que os pais não a procuraram em
nenhum momento durante os anos que vivera com a arquimaga; ainda que estivesse sob a tutela de
alguém da mais alta importância para o reino, não recebeu a visita de sequer um
mensageiro. Ou talvez Haramis tivesse suprimido as mensagens?
“Eu as
encontraria”, pensou
– Não vejo desta forma meu pai. Com certeza
não aprenderia metade do que sei se tivesse permanecido na Cidadela, muito
menos conheceria as necessidades de nossas terras como conheço agora. Ademais,
a única coisa que me foi ruim nesta história toda foi ser obrigada a ficar
afastada de Fiolon, o único que sempre se importou comigo, uma vez que vocês,
se já me ignoravam antes certamente continuariam fazendo-o depois! - e diante das expressões enrubescidas de
seus pais, pediu mais vinho e mudou de assunto.
Mais tarde,
quando soube do acontecido, Fioloin foi às gargalhadas. Mikayla havia relatado
seu “dia de princesa” com escolhas de músicas, vestidos e comidas – escolhas
não, pois a mãe decidira tudo por ela explicando lhes as tradições - que a jovem dividiu nas que deveriam ser preservadas e as que beiravam o ridículo – como passear
pela avenida saudando os cidadãos após consumarem o casamento.
– E você,
como foi seu dia em Var?
– A corte
está um alvoroço, como se já não tivessem festas o suficiente todos os dias.
Não terei tempo de ir até o meu ducado e inspecionar a construção da vila...
– Vila? Mas
que vila?
– Ah droga,
- resmungou Fiolon, e na imagem da pequena esfera que trazia no pescoço,
Mikayla percebeu que ele enrubescera. – Não é nada! É um segredo.
– Lorde
Fiolon de Var: sabe que não gosto de segredos!
– Você vai
gostar deste Mika... por favor não me faça perder os dias de disciplina mental
tentando ocultá-lo de você por causa de um mero deslize.
–
Disciplina mental? O que você fez?
– É apenas
um truque, ensinarei para você depois; aliás não sei se deveria ensinar mas
enfim... Preciso ir: a comitiva parte em algumas horas e não posso deixar
faltar nada para o rei e seus convidados.
– Você
deveria dizer “nossos” convidados...
– Política
Mikayla. Terá que se acostumar com isso!
Ele piscou
com um sorriso maroto e sua imagem desapareceu da esfera. Mikayla tentou não
pensar no monte de gente estranha que teria em seu casamento e para as quais seria
obrigada a cumprimentar e sorrir com mesuras. Não estava mais habituada a isto,
e era um preço pequeno a pagar pela quase eternidade que poderia passar ao lado
do seu escolhido. Pensar nisto acalmou-a, mas não lhe trouxe o sono. Rolou na
cama de um lado para o outro e ficou observando o teto, esperando o sono que
não vinha. O quarto concedido a ela era o mesmo ocupado pela Arquimaga Haramis
na época em que essa era somente uma das princesas trigêmeas e a herdeira do
trono de Ruwenda. Junto com as irmãs, assistiu ao covarde assassinato de seus
pais, o Rei Krain e a Rainha Kalanthe, por invasores Labornokianos comandados
pelo Rei Voltrik e o Arquimago Orogastus – e por isso a ideia de um arquimago
homem sempre lhe foi odiosa. Na busca da única arma que poderia derrotá-los, o
cetro triplo do poder, cada uma das irmãs seguiu sua jornada e foi nesta que
Haramis foi ordenada Arquimaga pela sua antecessora, a Arquimaga Binah, que
também lhe concedeu sua parte do talismã: a varinha de prata chamada Círculo
das Três Asas. Kadiya, a segunda princesa, encontrou seu talismã, uma espada chamada
Olho Ardente Trilobado, nas ruínas do Pântano Dourado, onde outrora fora a
cidade de Yatlan. Por lá mesmo se perdera, sem ninguém jamais saber ao certo o
que lhe ocorrera, inclusive a própria Haramis: muitos anos antes de morrer
não conseguia mais ter a visão da irmã, esta até hoje venerada pelos nyssumos
e uisgus. Já a terceira parte do
talismã, uma tiara chamada de Monstro das Três Cabeças, coube a mais nova e
delicada das irmãs encontrar: Anigel, que enfrentou os skriteks, ardilosos
habitantes dos pântanos alagadiços. Junto com suas irmãs derrotou o exército
labornokiano e após a vitória, as irmãs mais velhas recusaram o trono e coube a
ela governar a então Laboruwenda juntamente com o Príncipe Antar, filho do Rei
Voltrik mas que se revoltara contra as arbitrariedades do pai e decidira por um
governo mais justo.
Tudo isso
ocorrera há muitos anos e fazia parte da história dos reinos. Era obrigação de Mikayla conhecer, principalmente para compreender os motivos
pelos quais a Arquimaga Haramis colocou suas emoções acima da razão e deixou o lado
labornokiano do reino desamparado; cabia agora a ela reparar este
equívoco. Pensar nisso a aborreceu e vendo que não conseguiria dormir, resolveu
passear pelo castelo. Acabou inconscientemente indo ao antigo quarto de brincar
dela e de Fiolon, no décimo oitavo andar da torre sul daquele castelo, onde
ninguém ousaria – sequer se preocuparia – em ir procurá-los. Subia as escadas
silenciosamente e sem perder o fôlego, afinal vivia nas montanhas em uma torre
tão alta quanto, quando ouviu umas risadinhas furtivas vindas do lugar. “O que
está havendo lá em cima?”, perguntou-se, porém, ao chegar, as risadas pararam e
não viu ninguém. “Devo estar ficando louca!”. O lugar era pura poeira, mas as
marcas de pés no assoalho indicavam que ainda tinha uso para alguém. Mikayla
dirigiu-se para a sacada e ficou observando as três luas no céu, todas em
quarto crescente. Queria casar-se na lua cheia, mas se a comitiva de convidados
atrasasse isto poderia não ser possível.
Foi então
que um barulho próximo à porta a assustou:
– Quem está
aí?
– Sou eu,
irmã!
Era Egon.
Mikayla não soube precisar se ele entrava ou saía, uma vez que demorou-se na
porta até resolver se aproximar.
– Pensei
que este quarto tivesse finalmente sido inutilizado depois que Fiolon partiu –
disse ela.
– Ele é
mais utilizado do que você imagina – comentou o rapaz, com certa malícia no
olhar. Mikayla concluiu que estragara os planos dele indo até lá; aliás, com
certeza os planos dele e de alguma outra pessoa – Então, pelo que vejo estava
sem sono e resolveu vir recordar-se do tempo que ficava aqui trancafiada com
Fiolon?
– Sim,
costumávamos ficar aqui partilhando as descobertas de nossas explorações, lendo
pergaminhos interessantes, planejando fugas ou simplesmente deixando o dia
passar entretidos em algum jogo de estratégia esquecido – respondeu ela, fingindo
ignorar as insinuações do irmão. – Ao contrário de muita gente, passávamos o
tempo educando nossas mentes e desenvolvendo nossas habilidades, por isso
merecemos nossas conquistas.
– Não vejo
grande coisa ser Duque de Let quando se é filho de um pai desconhecido
Mikayla
ralhou internamente consigo mesma, pois quase revelara ao irmão sua condição e
a de Fiolon também como arquimagos da terra. Mudou de assunto, e de maneira
mais amistosa, perguntou sobre seus outros irmãos, que já estavam casados e não
viviam mais na cidadela, com exceção do príncipe herdeiro. Durante a conversa,
novamente Mikayla sentiu-se ignorada pela família: houveram casamentos mas nem
sequer um convite, que poderia libertá-la das obrigações com Haramis, mesmo por
poucos dias. Egon contou-lhe resumidamente o que aconteceu com cada um de seus
irmãos e como o castelo foi ficando mais vazio com a partida deles.
– Foi muito
ruim ser o ultimo herdeiro e ter que andar por aí sozinho – lamentou-se ele
– A mamãe
finalmente te deixou livre?
Egon fez
cara de desprezo
– Quando
digo “sozinho” quero dizer com alguém da minha idade, para brincar, divertir-se
e ter aventuras, não um bando de educadores ou a mamãe querendo-me ao seu lado
para expor às visitas como um bicho de estimação...
Outro
sentimento atravessou o coração de Mikayla: pena do irmão. Lembrou-se de si
mesma nos primeiros anos de treinamento para ser arquimaga, após Fiolon ser
expulso pela primeira vez. Ainda não havia desenvolvido perfeitamente a
comunicação mental e sua companhia mais agradável era uma harpa falante, já que
os empregados cumpriam seus afazeres domésticos sem dar muita atenção a ela.
Compreendia o irmão: no meio de muitas pessoas, também estivera sozinho.
– ... mas
agora sou dono do meu próprio nariz e posso fazer o que quiser: festas, jogos, caçadas,
expedições...
– Só isso?
– E o que
mais poderia? Quer que eu me tranque em uma torre e me torne arquimago? Ou nem
isso?
A pena que
Mikayla sentia foi embora:
– Quer
saber, tem razão Egon: faça o que quiser da sua vidinha real, só sugiro que pense
bem para não se arrepender depois. Para seu governo, ser um arquimago é mais do
que ficar trancado em uma torre, exige sabedoria, amor e dedicação à terra.
Requer conhecimento. Mas você não precisa disso, não é verdade? Afinal, com seu
rostinho lindo pode ter o reino aos seus pés e aniquilá-lo com o polegar. Mas beleza
e nobreza não são tudo nesta vida, caríssimo irmão, e você se lembrará disto
quando estiver a beira da morte e não tiver feito nenhuma grande realização! –
esbravejou ela, e antes que o outro tivesse qualquer reação, virou-lhe as
costas e o deixou sozinho no sótão, com o pedido de desculpas entalado na
garganta e muitas dúvidas na mente...
O primeiro
dia de Mikayla na corte após seis anos de treinamento com a antiga arquimaga
acabou sendo mais agitado do que ela mesma esperava. Logo pela manhã foi
bombardeada com perguntas sobre o período em que viveu com Haramis, desde as
desconfianças desta de que a princesa e Fiolon praticavam imoralidades, até a principal
questão do dia: o porquê de, agora,
a relação entre Mikayla e Fiolon ser aprovada. Tais questionamentos já haviam
sido ensaiados pelo casal; uma vez que ninguém das terras baixas soubera da
morte de Haramis, somente seus servos e espiões mais chegados, a segurança dos
arquimagos estaria no rearranjo dos acontecimentos para que não fossem
necessárias mentiras e mais mentiras para encobrir a verdade.
– Confesso que fiquei confusa quando recebi a mensagem solicitando que nos preparássemos para o seu casamento, filha; da última vez que esteve aqui, a Arquimaga quase atentou contra a vida de seu primo.
–Sim mamãe,
a Senhora Haramis cometeu alguns atos falhos (verdade), mas no final percebeu que estava enganada a nosso respeito
(verdade).
– Acusá-los
de imoralidade, vê se tem cabimento? – resmungou a rainha. Haramis não se
conformava com a ligação entre Mikayla e Fiolon independente das distâncias e
dos feitiços que fazia para separá-los, chegando prestar queixa aos reis.
Mikayla
sorriu.
– Ela nunca
entendeu que duas pessoas podem se conectar sem serem amantes, ainda que,
segundo as lendas, ela fosse conectada às suas irmãs. (Fugi do contexto, mas é verdade. Se querem saber se dormi ou não com
Fiolon que sejam diretos!)
– E como
fica a sua situação? Você não será mais arquimaga? – perguntou o Rei.
– A terra
já possui uma nova arquimaga papai (verdade).
Eu estou a serviço dela (da terra e não da
arquimaga. Tudo depende do contexto!)
– Como
assim, uma nova arquimaga? O que houve com Haramis? – quis saber a rainha.
– A doença dela se agravou (meia verdade, mas nunca vou dizer que foi minha teimosia que a fez optar pela morte a fim de poder dar à terra uma protetora capaz)!
– Quer dizer então que você foi retirada do convívio de sua família por nada?
– A doença dela se agravou (meia verdade, mas nunca vou dizer que foi minha teimosia que a fez optar pela morte a fim de poder dar à terra uma protetora capaz)!
– Quer dizer então que você foi retirada do convívio de sua família por nada?
A jovem analisou o pai. Ele não parecia aborrecido com o assunto anterior nem com esta pauta que ele mesmo levantara. Mikayla entendeu que para ele não fazia diferença o que aconteceria com ela desde que o resultado fosse satisfatório: uma filha feiticeira ou casada com um pretendente promissor não eram alternativas ruins. Naquele instante lembrou-se que os pais não a procuraram em nenhum momento durante os anos que vivera com a arquimaga; ainda que estivesse sob a tutela de alguém da mais alta importância para o reino, não recebeu a visita de sequer um mensageiro. Ou talvez Haramis tivesse suprimido as mensagens?
“Eu as
encontraria”, pensou
– Não vejo desta forma meu pai. Com certeza
não aprenderia metade do que sei se tivesse permanecido na Cidadela, muito
menos conheceria as necessidades de nossas terras como conheço agora. Ademais,
a única coisa que me foi ruim nesta história toda foi ser obrigada a ficar
afastada de Fiolon, o único que sempre se importou comigo, uma vez que vocês,
se já me ignoravam antes certamente continuariam fazendo-o depois! - e diante das expressões enrubescidas de
seus pais, pediu mais vinho e mudou de assunto.
Mais tarde,
quando soube do acontecido, Fioloin foi às gargalhadas. Mikayla havia relatado
seu “dia de princesa” com escolhas de músicas, vestidos e comidas – escolhas
não, pois a mãe decidira tudo por ela explicando lhes as tradições - que a jovem dividiu nas que deveriam ser preservadas e as que beiravam o ridículo – como passear
pela avenida saudando os cidadãos após consumarem o casamento.
– E você,
como foi seu dia em Var?
– A corte
está um alvoroço, como se já não tivessem festas o suficiente todos os dias.
Não terei tempo de ir até o meu ducado e inspecionar a construção da vila...
– Vila? Mas
que vila?
– Ah droga,
- resmungou Fiolon, e na imagem da pequena esfera que trazia no pescoço,
Mikayla percebeu que ele enrubescera. – Não é nada! É um segredo.
– Lorde
Fiolon de Var: sabe que não gosto de segredos!
– Você vai
gostar deste Mika... por favor não me faça perder os dias de disciplina mental
tentando ocultá-lo de você por causa de um mero deslize.
–
Disciplina mental? O que você fez?
– É apenas
um truque, ensinarei para você depois; aliás não sei se deveria ensinar mas
enfim... Preciso ir: a comitiva parte em algumas horas e não posso deixar
faltar nada para o rei e seus convidados.
– Você
deveria dizer “nossos” convidados...
– Política
Mikayla. Terá que se acostumar com isso!
Ele piscou
com um sorriso maroto e sua imagem desapareceu da esfera. Mikayla tentou não
pensar no monte de gente estranha que teria em seu casamento e para as quais seria
obrigada a cumprimentar e sorrir com mesuras. Não estava mais habituada a isto,
e era um preço pequeno a pagar pela quase eternidade que poderia passar ao lado
do seu escolhido. Pensar nisto acalmou-a, mas não lhe trouxe o sono. Rolou na
cama de um lado para o outro e ficou observando o teto, esperando o sono que
não vinha. O quarto concedido a ela era o mesmo ocupado pela Arquimaga Haramis
na época em que essa era somente uma das princesas trigêmeas e a herdeira do
trono de Ruwenda. Junto com as irmãs, assistiu ao covarde assassinato de seus
pais, o Rei Krain e a Rainha Kalanthe, por invasores Labornokianos comandados
pelo Rei Voltrik e o Arquimago Orogastus – e por isso a ideia de um arquimago
homem sempre lhe foi odiosa. Na busca da única arma que poderia derrotá-los, o
cetro triplo do poder, cada uma das irmãs seguiu sua jornada e foi nesta que
Haramis foi ordenada Arquimaga pela sua antecessora, a Arquimaga Binah, que
também lhe concedeu sua parte do talismã: a varinha de prata chamada Círculo
das Três Asas. Kadiya, a segunda princesa, encontrou seu talismã, uma espada chamada
Olho Ardente Trilobado, nas ruínas do Pântano Dourado, onde outrora fora a
cidade de Yatlan. Por lá mesmo se perdera, sem ninguém jamais saber ao certo o
que lhe ocorrera, inclusive a própria Haramis: muitos anos antes de morrer
não conseguia mais ter a visão da irmã, esta até hoje venerada pelos nyssumos
e uisgus. Já a terceira parte do
talismã, uma tiara chamada de Monstro das Três Cabeças, coube a mais nova e
delicada das irmãs encontrar: Anigel, que enfrentou os skriteks, ardilosos
habitantes dos pântanos alagadiços. Junto com suas irmãs derrotou o exército
labornokiano e após a vitória, as irmãs mais velhas recusaram o trono e coube a
ela governar a então Laboruwenda juntamente com o Príncipe Antar, filho do Rei
Voltrik mas que se revoltara contra as arbitrariedades do pai e decidira por um
governo mais justo.
Tudo isso
ocorrera há muitos anos e fazia parte da história dos reinos. Era obrigação de Mikayla conhecer, principalmente para compreender os motivos
pelos quais a Arquimaga Haramis colocou suas emoções acima da razão e deixou o lado
labornokiano do reino desamparado; cabia agora a ela reparar este
equívoco. Pensar nisso a aborreceu e vendo que não conseguiria dormir, resolveu
passear pelo castelo. Acabou inconscientemente indo ao antigo quarto de brincar
dela e de Fiolon, no décimo oitavo andar da torre sul daquele castelo, onde
ninguém ousaria – sequer se preocuparia – em ir procurá-los. Subia as escadas
silenciosamente e sem perder o fôlego, afinal vivia nas montanhas em uma torre
tão alta quanto, quando ouviu umas risadinhas furtivas vindas do lugar. “O que
está havendo lá em cima?”, perguntou-se, porém, ao chegar, as risadas pararam e
não viu ninguém. “Devo estar ficando louca!”. O lugar era pura poeira, mas as
marcas de pés no assoalho indicavam que ainda tinha uso para alguém. Mikayla
dirigiu-se para a sacada e ficou observando as três luas no céu, todas em
quarto crescente. Queria casar-se na lua cheia, mas se a comitiva de convidados
atrasasse isto poderia não ser possível.
Foi então
que um barulho próximo à porta a assustou:
– Quem está
aí?
– Sou eu,
irmã!
Era Egon.
Mikayla não soube precisar se ele entrava ou saía, uma vez que demorou-se na
porta até resolver se aproximar.
– Pensei
que este quarto tivesse finalmente sido inutilizado depois que Fiolon partiu –
disse ela.
– Ele é
mais utilizado do que você imagina – comentou o rapaz, com certa malícia no
olhar. Mikayla concluiu que estragara os planos dele indo até lá; aliás, com
certeza os planos dele e de alguma outra pessoa – Então, pelo que vejo estava
sem sono e resolveu vir recordar-se do tempo que ficava aqui trancafiada com
Fiolon?
– Sim,
costumávamos ficar aqui partilhando as descobertas de nossas explorações, lendo
pergaminhos interessantes, planejando fugas ou simplesmente deixando o dia
passar entretidos em algum jogo de estratégia esquecido – respondeu ela, fingindo
ignorar as insinuações do irmão. – Ao contrário de muita gente, passávamos o
tempo educando nossas mentes e desenvolvendo nossas habilidades, por isso
merecemos nossas conquistas.
– Não vejo
grande coisa ser Duque de Let quando se é filho de um pai desconhecido
Mikayla
ralhou internamente consigo mesma, pois quase revelara ao irmão sua condição e
a de Fiolon também como arquimagos da terra. Mudou de assunto, e de maneira
mais amistosa, perguntou sobre seus outros irmãos, que já estavam casados e não
viviam mais na cidadela, com exceção do príncipe herdeiro. Durante a conversa,
novamente Mikayla sentiu-se ignorada pela família: houveram casamentos mas nem
sequer um convite, que poderia libertá-la das obrigações com Haramis, mesmo por
poucos dias. Egon contou-lhe resumidamente o que aconteceu com cada um de seus
irmãos e como o castelo foi ficando mais vazio com a partida deles.
– Foi muito
ruim ser o ultimo herdeiro e ter que andar por aí sozinho – lamentou-se ele
– A mamãe
finalmente te deixou livre?
Egon fez
cara de desprezo
– Quando
digo “sozinho” quero dizer com alguém da minha idade, para brincar, divertir-se
e ter aventuras, não um bando de educadores ou a mamãe querendo-me ao seu lado
para expor às visitas como um bicho de estimação...
Outro
sentimento atravessou o coração de Mikayla: pena do irmão. Lembrou-se de si
mesma nos primeiros anos de treinamento para ser arquimaga, após Fiolon ser
expulso pela primeira vez. Ainda não havia desenvolvido perfeitamente a
comunicação mental e sua companhia mais agradável era uma harpa falante, já que
os empregados cumpriam seus afazeres domésticos sem dar muita atenção a ela.
Compreendia o irmão: no meio de muitas pessoas, também estivera sozinho.
– ... mas
agora sou dono do meu próprio nariz e posso fazer o que quiser: festas, jogos, caçadas,
expedições...
– Só isso?
– E o que
mais poderia? Quer que eu me tranque em uma torre e me torne arquimago? Ou nem
isso?
A pena que
Mikayla sentia foi embora:
– Quer
saber, tem razão Egon: faça o que quiser da sua vidinha real, só sugiro que pense
bem para não se arrepender depois. Para seu governo, ser um arquimago é mais do
que ficar trancado em uma torre, exige sabedoria, amor e dedicação à terra.
Requer conhecimento. Mas você não precisa disso, não é verdade? Afinal, com seu
rostinho lindo pode ter o reino aos seus pés e aniquilá-lo com o polegar. Mas beleza
e nobreza não são tudo nesta vida, caríssimo irmão, e você se lembrará disto
quando estiver a beira da morte e não tiver feito nenhuma grande realização! –
esbravejou ela, e antes que o outro tivesse qualquer reação, virou-lhe as
costas e o deixou sozinho no sótão, com o pedido de desculpas entalado na
garganta e muitas dúvidas na mente...
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