quarta-feira, 10 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de arquimagos

Continuação da Fanfic baseada na obra A Senhora do Trílio, de Marion Zimmer Bradley.

Capítulo III - Artimanhas

O primeiro dia de Mikayla na corte após seis anos de treinamento com a antiga arquimaga acabou sendo mais agitado do que ela mesma esperava. Logo pela manhã foi bombardeada com perguntas sobre o período em que viveu com Haramis, desde as desconfianças desta de que a princesa e Fiolon praticavam imoralidades, até a principal  questão do dia: o porquê de, agora, a relação entre Mikayla e Fiolon ser aprovada. Tais questionamentos já haviam sido ensaiados pelo casal; uma vez que ninguém das terras baixas soubera da morte de Haramis, somente seus servos e espiões mais chegados, a segurança dos arquimagos estaria no rearranjo dos acontecimentos para que não fossem necessárias mentiras e mais mentiras para encobrir a verdade.

     – Confesso que fiquei confusa quando recebi a mensagem solicitando que nos preparássemos para o seu casamento, filha; da última vez que esteve aqui, a Arquimaga quase atentou contra a vida de seu primo.
–Sim mamãe, a Senhora Haramis cometeu alguns atos falhos (verdade), mas no final percebeu que estava enganada a nosso respeito (verdade).
– Acusá-los de imoralidade, vê se tem cabimento? – resmungou a rainha. Haramis não se conformava com a ligação entre Mikayla e Fiolon independente das distâncias e dos feitiços que fazia para separá-los, chegando prestar queixa aos reis.
Mikayla sorriu.
– Ela nunca entendeu que duas pessoas podem se conectar sem serem amantes, ainda que, segundo as lendas, ela fosse conectada às suas irmãs. (Fugi do contexto, mas é verdade. Se querem saber se dormi ou não com Fiolon que sejam diretos!)
– E como fica a sua situação? Você não será mais arquimaga? – perguntou o Rei.
– A terra já possui uma nova arquimaga papai (verdade). Eu estou a serviço dela (da terra e não da arquimaga. Tudo depende do contexto!)
– Como assim, uma nova arquimaga? O que houve com Haramis? – quis saber a rainha.
– A doença dela se agravou (meia verdade, mas nunca vou dizer que foi minha teimosia que a fez optar pela morte a fim de poder dar à terra uma protetora capaz)!
– Quer dizer então que você foi retirada do convívio de sua família por nada?

A jovem analisou o pai. Ele não parecia aborrecido com o assunto anterior nem com esta pauta que ele mesmo levantara. Mikayla entendeu que para ele não fazia diferença o que aconteceria com ela desde que o resultado fosse satisfatório: uma filha feiticeira ou casada com um pretendente promissor não eram alternativas ruins. Naquele instante lembrou-se que os pais não a procuraram em nenhum momento durante os anos que vivera com a arquimaga; ainda que estivesse sob a tutela de alguém da mais alta importância para o reino, não recebeu a visita de sequer um mensageiro. Ou talvez Haramis tivesse suprimido as mensagens?
“Eu as encontraria”, pensou
 – Não vejo desta forma meu pai. Com certeza não aprenderia metade do que sei se tivesse permanecido na Cidadela, muito menos conheceria as necessidades de nossas terras como conheço agora. Ademais, a única coisa que me foi ruim nesta história toda foi ser obrigada a ficar afastada de Fiolon, o único que sempre se importou comigo, uma vez que vocês, se já me ignoravam antes certamente continuariam fazendo-o depois! - e diante das expressões enrubescidas de seus pais, pediu mais vinho e mudou de assunto.

Mais tarde, quando soube do acontecido, Fioloin foi às gargalhadas. Mikayla havia relatado seu “dia de princesa” com escolhas de músicas, vestidos e comidas – escolhas não, pois a mãe decidira tudo por ela explicando lhes as tradições - que a jovem dividiu nas que deveriam ser preservadas e as que beiravam o ridículo  – como passear pela avenida saudando os cidadãos após consumarem o casamento.
– E você, como foi seu dia em Var?
– A corte está um alvoroço, como se já não tivessem festas o suficiente todos os dias. Não terei tempo de ir até o meu ducado e inspecionar a construção da vila...
– Vila? Mas que vila?
– Ah droga, - resmungou Fiolon, e na imagem da pequena esfera que trazia no pescoço, Mikayla percebeu que ele enrubescera. – Não é nada! É um segredo.
– Lorde Fiolon de Var: sabe que não gosto de segredos!
– Você vai gostar deste Mika... por favor não me faça perder os dias de disciplina mental tentando ocultá-lo de você por causa de um mero deslize.
– Disciplina mental? O que você fez?
– É apenas um truque, ensinarei para você depois; aliás não sei se deveria ensinar mas enfim... Preciso ir: a comitiva parte em algumas horas e não posso deixar faltar nada para o rei e seus convidados.
– Você deveria dizer “nossos” convidados...
– Política Mikayla. Terá que se acostumar com isso!

Ele piscou com um sorriso maroto e sua imagem desapareceu da esfera. Mikayla tentou não pensar no monte de gente estranha que teria em seu casamento e para as quais seria obrigada a cumprimentar e sorrir com mesuras. Não estava mais habituada a isto, e era um preço pequeno a pagar pela quase eternidade que poderia passar ao lado do seu escolhido. Pensar nisto acalmou-a, mas não lhe trouxe o sono. Rolou na cama de um lado para o outro e ficou observando o teto, esperando o sono que não vinha. O quarto concedido a ela era o mesmo ocupado pela Arquimaga Haramis na época em que essa era somente uma das princesas trigêmeas e a herdeira do trono de Ruwenda. Junto com as irmãs, assistiu ao covarde assassinato de seus pais, o Rei Krain e a Rainha Kalanthe, por invasores Labornokianos comandados pelo Rei Voltrik e o Arquimago Orogastus – e por isso a ideia de um arquimago homem sempre lhe foi odiosa. Na busca da única arma que poderia derrotá-los, o cetro triplo do poder, cada uma das irmãs seguiu sua jornada e foi nesta que Haramis foi ordenada Arquimaga pela sua antecessora, a Arquimaga Binah, que também lhe concedeu sua parte do talismã: a varinha de prata chamada Círculo das Três Asas. Kadiya, a segunda princesa, encontrou seu talismã, uma espada chamada Olho Ardente Trilobado, nas ruínas do Pântano Dourado, onde outrora fora a cidade de Yatlan. Por lá mesmo se perdera, sem ninguém jamais saber ao certo o que lhe ocorrera, inclusive a própria Haramis: muitos anos antes de morrer não conseguia mais ter a visão da irmã, esta até hoje venerada pelos nyssumos e uisgus. Já a terceira parte do talismã, uma tiara chamada de Monstro das Três Cabeças, coube a mais nova e delicada das irmãs encontrar: Anigel, que enfrentou os skriteks, ardilosos habitantes dos pântanos alagadiços. Junto com suas irmãs derrotou o exército labornokiano e após a vitória, as irmãs mais velhas recusaram o trono e coube a ela governar a então Laboruwenda juntamente com o Príncipe Antar, filho do Rei Voltrik mas que se revoltara contra as arbitrariedades do pai e decidira por um governo mais justo.
Tudo isso ocorrera há muitos anos e fazia parte da história dos reinos. Era obrigação de Mikayla conhecer, principalmente para compreender os motivos pelos quais a Arquimaga Haramis colocou suas emoções acima da razão e deixou o lado labornokiano do reino desamparado; cabia agora a ela reparar este equívoco. Pensar nisso a aborreceu e vendo que não conseguiria dormir, resolveu passear pelo castelo. Acabou inconscientemente indo ao antigo quarto de brincar dela e de Fiolon, no décimo oitavo andar da torre sul daquele castelo, onde ninguém ousaria – sequer se preocuparia – em ir procurá-los. Subia as escadas silenciosamente e sem perder o fôlego, afinal vivia nas montanhas em uma torre tão alta quanto, quando ouviu umas risadinhas furtivas vindas do lugar. “O que está havendo lá em cima?”, perguntou-se, porém, ao chegar, as risadas pararam e não viu ninguém. “Devo estar ficando louca!”. O lugar era pura poeira, mas as marcas de pés no assoalho indicavam que ainda tinha uso para alguém. Mikayla dirigiu-se para a sacada e ficou observando as três luas no céu, todas em quarto crescente. Queria casar-se na lua cheia, mas se a comitiva de convidados atrasasse isto poderia não ser possível.
Foi então que um barulho próximo à porta a assustou:
– Quem está aí?
– Sou eu, irmã!
Era Egon. Mikayla não soube precisar se ele entrava ou saía, uma vez que demorou-se na porta até resolver se aproximar.
– Pensei que este quarto tivesse finalmente sido inutilizado depois que Fiolon partiu – disse ela.
– Ele é mais utilizado do que você imagina – comentou o rapaz, com certa malícia no olhar. Mikayla concluiu que estragara os planos dele indo até lá; aliás, com certeza os planos dele e de alguma outra pessoa – Então, pelo que vejo estava sem sono e resolveu vir recordar-se do tempo que ficava aqui trancafiada com Fiolon?
– Sim, costumávamos ficar aqui partilhando as descobertas de nossas explorações, lendo pergaminhos interessantes, planejando fugas ou simplesmente deixando o dia passar entretidos em algum jogo de estratégia esquecido – respondeu ela, fingindo ignorar as insinuações do irmão. – Ao contrário de muita gente, passávamos o tempo educando nossas mentes e desenvolvendo nossas habilidades, por isso merecemos nossas conquistas.
– Não vejo grande coisa ser Duque de Let quando se é filho de um pai desconhecido
Mikayla ralhou internamente consigo mesma, pois quase revelara ao irmão sua condição e a de Fiolon também como arquimagos da terra. Mudou de assunto, e de maneira mais amistosa, perguntou sobre seus outros irmãos, que já estavam casados e não viviam mais na cidadela, com exceção do príncipe herdeiro. Durante a conversa, novamente Mikayla sentiu-se ignorada pela família: houveram casamentos mas nem sequer um convite, que poderia libertá-la das obrigações com Haramis, mesmo por poucos dias. Egon contou-lhe resumidamente o que aconteceu com cada um de seus irmãos e como o castelo foi ficando mais vazio com a partida deles.
– Foi muito ruim ser o ultimo herdeiro e ter que andar por aí sozinho – lamentou-se ele
– A mamãe finalmente te deixou livre?
Egon fez cara de desprezo
– Quando digo “sozinho” quero dizer com alguém da minha idade, para brincar, divertir-se e ter aventuras, não um bando de educadores ou a mamãe querendo-me ao seu lado para expor às visitas como um bicho de estimação...
Outro sentimento atravessou o coração de Mikayla: pena do irmão. Lembrou-se de si mesma nos primeiros anos de treinamento para ser arquimaga, após Fiolon ser expulso pela primeira vez. Ainda não havia desenvolvido perfeitamente a comunicação mental e sua companhia mais agradável era uma harpa falante, já que os empregados cumpriam seus afazeres domésticos sem dar muita atenção a ela. Compreendia o irmão: no meio de muitas pessoas, também estivera sozinho.
– ... mas agora sou dono do meu próprio nariz e posso fazer o que quiser: festas, jogos, caçadas, expedições...
– Só isso?
– E o que mais poderia? Quer que eu me tranque em uma torre e me torne arquimago? Ou nem isso?
A pena que Mikayla sentia foi embora:


– Quer saber, tem razão Egon: faça o que quiser da sua vidinha real, só sugiro que pense bem para não se arrepender depois. Para seu governo, ser um arquimago é mais do que ficar trancado em uma torre, exige sabedoria, amor e dedicação à terra. Requer conhecimento. Mas você não precisa disso, não é verdade? Afinal, com seu rostinho lindo pode ter o reino aos seus pés e aniquilá-lo com o polegar. Mas beleza e nobreza não são tudo nesta vida, caríssimo irmão, e você se lembrará disto quando estiver a beira da morte e não tiver feito nenhuma grande realização! – esbravejou ela, e antes que o outro tivesse qualquer reação, virou-lhe as costas e o deixou sozinho no sótão, com o pedido de desculpas entalado na garganta e muitas dúvidas na mente...

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