segunda-feira, 15 de maio de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfic baseada no romance "A Senhora do Trílio" de Marion Zimmer Bradley

  Capítulo IV - Pré-Nupciais


Os dias passaram rápidos e quando todos se deram conta, a comitiva de Var batia à porta e o casamento também. Várias tendas foram instaladas em torno da Cidadela, pois todos os quartos ficaram ocupados, não só por nobres convidados de Var, mas também dos demais países vizinhos como Zinora e Raktum. Seus vassalos mais chegados foram instalados no sótão e como não couberam tantos, o restante teve que ficar em campo. Isto até que não os incomodava: na sua maioria soldados, estavam acostumados ao acampamento; o que de fato importunava muito era o excesso de umidade presente na atmosfera local – oriundos de uma terras litorâneas ou bem ventiladas, o ar dos pântanos pesava-lhes nos pulmões.

O primeiro impulso de Mikayla assim que soube da aproximação da comitiva de Var, foi correr para os braços de seu noivo, só que foi impedida pela Rainha e pelas suas damas: a tradição a proibia que os noivos se vissem antes do casamento. Naquele instante ela não se importou, pois poderia entrar em contato com ele mentalmente, porém não contava que ele a proibisse de vê-lo e criando um bloqueio mental onde só poderiam se ouvir. Isso a deixou irritadíssima e, ás vésperas das bodas, a terra sofreu um pouco com isto: alguns terremotos e tempestades quase prejudicaram a festa.

“– Você quer ficar calma? Ou quer um desastre justamente hoje?” – brigou Fiolon, invadindo a mente dela no dia do casamento.
– Estou farta de tanto mistério! Porque não me deixa vê-lo?”
“– Pelo mesmo motivo que me recuso a vê-la: quero ter direito à minha surpresa, à recordação deste dia... se você não se acalmar eu não consigo terminar de me aprontar, já que sua impaciência se reflete em mim!”

Ela bufava em seu quarto deixando as aias tão nervosas quanto sua mãe impaciente. Uma das auxiliares espetou o dedo quando arrematava um detalhe no vestido e teve que ser substituída por alguém não tão competente, já que seu dedo não parava de sangrar – por sorte não manchou a roupa. As mulheres ficaram agitadas dizendo que aquilo era sinal de mau agouro. Mikayla, que não era nem um pouco supersticiosa e estava além do limite da irritação, preparou-se para fazer uma mágica cicatrizante, quando foi novamente repreendida:

“– Não use magia!”
– VOCÊ ESTÁ ME VIGIANDO AINDA POR QUÊ?? – berrou, espantando todos os que estavam à sua volta. – Ahhhh, não é com vocês...
– Filha o que há com você? Nunca vi alguém tão perturbada assim no dia de seu casamento!
– Mãe, podem me deixar a sós por alguns instantes?

A rainha assentiu e saiu do quarto juntamente com as demais aias. Mikayla se viu as voltas com um vestido bufante inacabado sobre uma apertada armação de arame e muitas anáguas. Desceu do banquinho onde estava e tentou ir em direção à poltrona em que sua mãe estivera sentada pouco antes, levando um tempo considerável para chegar. Ajeitou-se do jeito que pôde e tentou relaxar. Pensou na sua terra, na beleza que ela era: o céu constantemente cinza das chuvas, os pântanos que escondiam inúmeras ruínas de outras civilizações, as diversas tribos humanoides que povoavam aquele lugar, os rios que fluíam e eram meios de vida e de transporte... Era a Senhora de tudo aquilo, sua cuidadora, não devia deixar o ímpeto de suas emoções prejudicar o meio ambiente. Afinal, em breve conquistaria o que tanto desejou, sem deixar de cumprir sua principal obrigação: se casaria com Fiolon, o Arquimago de Var, mas antes disto seu melhor amigo. Não viveriam em uma cabana próxima ao Pântano Verde como planejaram na infância mas sim em uma torre nas montanhas Ohogan, tendo como animais de estimação mudos froniais e abutres gigantes que conversavam com eles através de telepatia. Algumas vezes ao ano teriam que se separar para atender às necessidades das terras das quais eram responsáveis, mas o que eram esses períodos para quem viveria quase uma eternidade? Um piscar de olhos na fração do dia...

Uma canção projetou-se no fundo da mente de Mikayla que a fez sorrir: aqueles pensamentos não eram dela. Fiolon a acalmava de seus próprios aposentos, tal domínio ele tinha sobre a mente da noiva. Ele a fez ver suas responsabilidades e suas realizações sem precisar chamar-lhe a atenção. Quando a aia bateu à porta, Mikayla sinalizou para que entrasse: já estava relaxada. Voltou para o banquinho onde as outras terminariam de arrumá-la em uma placidez que quem quem a vira minutos antes julgaria impossível de se alcançar...

Em uma ala oposta no castelo, aqueles que serviam à Fiolon deliciavam-se com as notas musicais que ecoavam de objetos estranhos. Eram artefatos dos Desaparecidos, ancestrais daquela terra, que ele recolhera das explorações que fizera com Mikayla tempos atrás. Costumava guardar para si tudo que era musical, uma vez que era dotado de um conhecimento nato sobre notas e arranjos, que fora aprimorado ainda mais após a sua iniciação em magia. Quando encontrava-se tenso, a música o acalmava, permitindo que ele equilibrasse os próprios pensamentos. Naquele instante, em meio ao vai e vem de pessoas que o auxiliavam a vestir-se, estava tranquilo, se comparado ao furacão que era a sua noiva momentos antes. Sua mente resistia em visualizá-la, mas mantinha-se ligada a ela por meio da audição e das sensações: Mikayla finalmente se acalmara.

Foram quatro anos de idas e vindas de Var à Laboruwenda, a fim de auxiliar Mikayla enquanto ela se preparava para a função de arquimaga, quando ele já era um. Tornou-se arquimago sem querer, mas não viu nisso uma complicação para sua vida: a magia era inerente a ele, tinha o dom, mais do que Mikayla até, e isso o ajudou a lidar com seu retorno a Var. O Rei ficou encantado com seu trabalho com as tribos e lhe concedeu o ducado de Let e foi aí que alguns problemas começaram: como duque, Fiolon tornou-se um partido de qualidade para as cortesãs e donzelas das famílias nobres. Foram inúmeras as vezes que encontrara mulheres nuas em sua cama, inúmeros os flertes em jantares e os insistentes convites dos nobres que se revelavam artimanhas para que conhecesse suas filhas. Fiolon contou ao rei seu compromisso com Mikayla, mas à medida que seu prestígio aumentava, seu tio parecia esquecer-se disso, empurrando-o para eventos que mais pareciam encontros. Com o tempo sua recusa às mulheres se transformou em boatos mais perniciosos, questionando  sua sexualidade: além das mulheres passou a ser assediado por homens também. Como sempre, foi astucioso ao lidar com a situação: passou a fazer questão de soltar as histórias sobre a origem desconhecida de seu pai, que poderia ser um bruxo, um feiticeiro maligno ou alguém das castas mais baixas. O temor pelo sangue contaminado espalhou-se e logo começaram a diminuir as insinuações. Por outro lado, aumentou-se a desconfiança em seu poder: se herdara a magia de um demônio, quais a seriam seus limites?

Estas questões o divertiam, pois aumentaram o mistério em torno de sua pessoa e lhe permitiram trabalhar em paz. Cumpria seus compromissos na extração de madeira das florestas de Var enquanto mantinha seus cuidados com a terra, aperfeiçoava seus dons e estudava constantemente. Ia e voltava de Laboruwenda quando Mikayla precisava de sua ajuda e evitava trazer transtornos para ela junto a Arquimaga Haramis. Quando Mikayla herdou a terra, achou que seus problemas românticos haviam se encerrado, até seu tio propor que se casasse com uma nobre de Raktum. Fiolon o fez recordar-se de seu compromisso em Laboruwenda e temendo que outras tentativas como esta surgisse no futuro, mandou que Mikayla enviasse uma carta aos reis de Ruwenda que seria levada por ele quando pedisse formalmente a mão da princesa em casamento. A carta era uma autorização da Arquimaga de Ruwenda, dando sua benção à união dos dois – desconhecem, no entanto que a arquimaga é a própria Mikayla.

– Está pronto, milorde!

Fiolon voltou seus pensamentos para o momento atual e olhou-se no espelho apenas para reconhecer a si mesmo, um gesto simples, que não lhe era comum. Fechou os olhos rapidamente, mas a imagem já estava lá, impressa na memória.
“– Sua skritekzinha dos infernos!!” – Ele brigou enquanto uma gargalhada ecoava em sua mente.
“– Você está lindo! Como sempre foi!”
“– Saia da minha mente agora! Vou bloqueá-la e se tentar invadir eu juro pelos senhores do ar que não me caso mais!”
“– Não tenho culpa se você se distraiu!” – Mikayla resmungou, entre chorosa e divertida. Agora que conseguira o que queria, ela estava triunfante.
“– Vejo você no altar Dama Branca!” – ele respondeu, numa falsa zanga
Os servos, percebendo sua mudança repentina de humor, ficaram preocupados:
– Aconteceu algo milorde?
– Não... – respondeu com sinceridade. “É só a velha criança com quem vou me casar aprontando das suas”, pensou consigo mesmo e teve que sorrir.



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