quarta-feira, 21 de junho de 2017

Arquimagos - Casamento de Arquimagos

Fanfic baseada na obra "a Senhora do Trílio"  de Marion Zimmer Bradley

Capítulo VII - Castidade

O crepúsculo avançava a oeste de Laboruwenda, revelando os traços finos da chuva de meteoros provocada pela passagem do cometa. Fiolon gostava daquela visão, ainda que tecnicamente não estivesse olhando para ela. Sua mente estava em Var, vasculhando cada milímetro do território do qual era responsável. As tribos estavam em paz, assim como o manejo florestal seguia conforme suas ordens. As cheias do Grande Mutar começariam em breve; suas nascentes eram oriundas das Montanhas Ohogan, do lado ruwendiano, cujo degelo já dera início, e segundo suas orientações algumas tribos ribeirinhas já estavam se preparando para o período alagadiço. O cio dos animais primaveris estava entrando em ápice, o que o perturbava um pouco; ainda que não estivesse plenamente amadurecido, seu corpo  conhecia o furor que as tensões sexuais provocavam. Sua ligação com a terra já fora mais forte, deixando-o desconfortável nos primeiros anos como arquimago: aprender a desligar-se foi fundamental.
Quando terminou sua vistoria mental o céu já era de um matiz arroxeado. Os traços do cometa no céu já eram escassos, vinte dias haviam se passado e ainda que as previsões astronômicas indicassem que o fenômeno duraria um ciclo trilunar, aquela era a última noite que o arquimago poderia vê-lo das sacadas do palácio da Cidadela: na manhã seguinte partiriam para seu ducado em Let. Haveria algumas mudanças em sua rotina, agora que Mikayla poderia ir e vir com ele, livre da supervisão da falecida arquimaga. Ele não precisaria ficar sonhando alto, desejando algo que estava distante e que parecia quase impossível de se ter. Agora, nas pausas de suas vistorias, poderiam voltar-se ao que sempre fizeram bem: pesquisar e explorar.
 Fiolon sentiu um ligeiro desconforto quando sua mente se aproximou das fronteiras de Laboruwenda. Há tempos não sentia um arrepio como aquele, e sentiu-se instigado a avançar mais, porém aquele era o território de Mikayla, e avançar seria falta de respeito.

–Sonhando acordado, meu marido? – Mikayla aproximou-se. O cheiro de alfazema que exalava do banho recém-tomado inebriou-o. Estendeu os braços para que ela se aproximasse.
– Iremos para Var amanhã, mais uma etapa em nossa nova vida. Como está se sentindo?
– Agradecendo aos senhores do ar por sair daqui! – bufou ela – Não aguento mais a minha família! A vida deles é tão... fútil! As damas só costuram e cantam e leem – o que não é ruim, mas... é só isto! Não há aventura. A maior emoção delas é fofocar sobre a vida de alguém! Gostaria de ter ido embora antes...

Fiolon suspirou, mantendo a placidez que lhe era tão característica:
– Mika, já parou para pensar que não fazemos a mínima ideia de quando retornaremos aqui nas condições de Princesa e Duque? Não sabemos quando poderemos abraçar os nossos familiares outra vez; essa pode ser nossa última oportunidade.
– Vivemos os últimos anos afastados deles e sequer procuraram por nós! – resmungou ela.
– Sim eu sei, mas segundo eles estávamos em segurança! Essas pessoas podem ter sido negligentes conosco, mas nunca nos faltaram abrigo e alimento neste lar. E a vida deles, de tudo que está aqui neste momento, irá perecer muito antes da nossa. O que você prefere: dar o mínimo de atenção agora ou lamentar não ter aproveitado esta oportunidade daqui a uma centena de anos?


Mikayla sentiu-se culpada por suas críticas e por seu egoísmo: agora sentia-se terrível! Fiolon a puxou contra si e beijou-lhe a testa, rindo da confusão que se instalou na mente da Arquimaga. Ela sempre fora cabeça dura, não media palavras muito menos as consequências dos seus atos. Cabia à ele as ponderações necessárias para fazê-la enxergar por outros ângulos. E nesta discussão acabou esquecendo-se de perguntar sobre a  estranha sensação que sentira durante a sua vistoria.


– Você meu querido, sempre tão sensato! Perde-se a vontade de trocar qualquer veneno com você!
– Nunca foi meu forte, você sempre soube! Aliás, nossa castidade ainda é assunto da corte?
– Nada! Seu plano foi perfeito!

Fiolon sorriu, lembrando o acontecido: na manhã seguinte a noite de núpcias o casal de adultos presos em corpos de criança foi despertado por batidas um pouco mais austeras na porta. Perceberam que estava bem tarde, mas o cansaço da festa ainda permanecia em seus corpos e eles desejavam continuar na cama; as batidas insistentes, no entanto, não deixavam.
– Não abra a porta agora! – murmurou Fiolon, assim que viu Mikayla intentando em fazê-lo, procurando em algumas gavetas até encontrar um objeto pontiagudo o suficiente com o qual pudesse cortar a palma da mão.
– O que está fazendo?? –Mikayla perguntou, assustada. O servo ou seja lá quem fosse, havia desistido.
– Estou complementando nossa farsa. Assim que sairmos deste quarto virão bisbilhotar a nossa cama.
Mikayla ficou horrorizada:
– Acha que ousariam entrar sem estarmos aqui?
– Já entraram conosco aqui: ou você acha que a bandeja de café da manhã veio por mágica? – e vendo que Mikayla permanecia escandalizada, tentou tranquilizá-la – Você passou muito tempo presa na torre, meu amor, esqueceu como os servos são treinados para serem silenciosos e invisíveis pelos palácios. Exceto claro, este que com certeza foi enviado para nos acordar...
– Ou saber se estamos vivos!
Ambos riram, mas Fiolon permaneceu concentrado no que fazia. Ao pressionar a mão cortada na cama, Mikayla finalmente entendeu suas intenções. Corou.
– Eu não quero mais ninguém questionando nossa virgindade – ele disse percebendo seu constrangimento.
– Espero que isto não o machuque... – murmurou ela, ainda sem saber direito o que dizer. Referia-se ao ato de Fiolon ter-se cortado, mas ele entendeu de outra forma:
– A mim? Só agora, ao me cortar... – ele tomou-lhe a frente da camisola e também a sujou, murmurando um encantamento de cicatrização para o ferimento logo em seguida. Admirava a perfeição de seu trabalho quando notou que Mikayla ainda estava acanhada – Ei, não se preocupe: farei o máximo para não provocar nenhum incômodo quando realmente acontecer está bem? Serei tão inexperiente quanto você, e poderemos rir de nossas trapalhadas depois: só isto será o suficiente para ser memorável! – E percebendo que ela sorria, beijou-lhe a face como quem rouba a demonstração deste afeto. – Agora vista um roupão e deixe as servas verem isto ao te trocarem.
– Quando você ficou tão prático?


O plano deu certo como o mago previra: antes do cair da tarde todos no castelo sabiam como fora encontrado o leito nupcial – a história incluía seus devidos acréscimos dependendo de quem a contava. Os reis, especialmente a Rainha de Laboruwenda, ficaram satisfeitos quando a fofoca chegou até os seus ouvidos: aquilo selava a palavra dada pelo casal de que não cometeram imoralidades enquanto estavam sobre a tutela da Arquimaga. Não que isto, de fato, fizesse diferença em uma corte, mas era necessário que tais atos permanecessem sempre por trás das paredes ou debaixo dos lençóis onde ocorriam. 



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