domingo, 15 de outubro de 2017

Arquimagos - Explorando Labornok

Capítulo XI - Ameaça


O instinto fez Fiolon despertar: uma presença não convidada estava à espreita, observando-os. O vulto, que contrastava-se com as aberturas da estrebaria, estava parado: ainda que tenha vindo lentamente, o barulho da chuva teria encoberto o som de seus passos. Como não pretendia ser pego de surpresa, Fiolon mentalizou o punhal preso em seu tornozelo e trouxe o objeto até às suas mãos, na expectativa. Fechou os olhos quando o velho acendeu um iluminador de gelo, e a luz fraca não permitiu que visse rosto do inimigo, escondido por um capuz. Fiolon ampliou a visão mental e pôde ver quando o vulto deu um passo arrastado, elevando o iluminador para ver melhor o ambiente. Ficou um tempo analisando, até que pareceu se interessar por Mikayla. Enquanto debruçava-se sobre ela, Fiolon, com um movimento rápido, apontou seu punhal para o desconhecido:
– Não ouse tocar nela! – disse baixa e friamente.
O vulto assustou-se e, atrapalhando-se com as próprias vestes, gritou e caiu, acordando froniais e Mikayla. Os animais começaram a emitir ruídos estressados enquanto a menina tentava entender o que se passava. Fiolon passou por cima dela e prendeu seu inimogo ao chão, com o punhal apertado em sua garganta.
– O que você quer??  - bradou Fiolon.
– P-por favor não me machuque! – gemeu uma voz choramingosa
Movida pelo senso de praticidade, Mikayla ateou fogo em uma tocha:  abaixo de Fiolon, um ser gordo, de grandes olhos esbugalhados e muitas rugas no rosto tremia apavoradamente.
– Porque estava aqui? O que quer?? – bradou Fiolon, demonstrando uma coragem nunca antes vistas por Mikayla.
– E-eu não... e-eu só... eu só queria saber quem estava aqui! Achei que... que fossem as bestas!
– Solte ele Fio!
Fiolon hesitou por alguns instantes antes de sair de cima de seu oponente e ir para perto de Mikayla, ainda de punhal em riste. Com um esforço que logo foi perceptível ser da idade avançada, um velho sentou-se, ainda mantendo os braços na defensiva.
– Por favor não me machuquem! Podem levar o que quiserem!
– Não queríamos nada além de abrigo. – respondeu Mikayla.
O velho, cuja cabeça parecia dominada pelo gelo eterna das montanhas, respirava com certa dificuldade. Mikayla parecia esperar que ele se recuperasse para desenvolver um diálogo, mas Fiolon, ainda sob o efeito do despertar repentino, estava impaciente. Percebendo a confusão e a insegurança que habitavam dentro dele, Mikayla enviou-lhe ondas de tranquilidade: tanto ele quanto o velho estavam em um impasse, agindo por defesa.
– Perdoe a atitude de meu primo Senhor, ele apenas nos defendia.
– Eu entendo... – foi dizendo o velho, lentamente – No mundo em que vivemos ações sobrepõem-se á razão.
– O que pretendia aproximando-se tão sorrateiramente? – quis saber Fiolon, ainda desconfiado.
O velho analisou-os por um tempo antes de responder.
– Vocês são jovens – murmurou o velho, parecendo mais para sai do que para os arquimagos. Parecia que agora, baixada um pouco a guarda, ele realmente os via – eu pensei em surpreendê-los antes que pudessem me atacar...
– Achei que as regras de hospedagem valessem nestas terras também – disse Mikayla, um pouco assustada com o que não foi dito mas concluído na fala daquele estranho: havia implicações de medo e perigo a cada respiração dele. – Não vamos incomodá-lo mais: iremos recolher nossas coisas e partir.
Fiolon olhou admirado para ela: ainda chovia bastante lá fora, mas Mikayla sabia que não era por isso que ele a indagava com o olhar. Mikayla sempre fora a mais impetuosa e questionadora dos dois, era de se esperar, no mínimo, muitas perguntas.
– “Não vamos piorar a situação” – ecoou o pensamento na mente do arquimago.
Ela pegou as bolsas e juntou suas coisas para partir. Fiolon mantinha o punhal erguido diante do velho, vigilante, mas vê-lo esfregando o pescoço com mãos decrépitas somado ao esfriamento da situação fez com que se sentisse culpado por tê-lo machucado. Afinal o velho só defendia seu lar. Antes de saírem, Fiolon lhe entregou um emplastro de ervas.
– Use isto para aliviar a dor, e como recompensa do que quer que tenhamos lhe causado.
O Velho ainda olhava para o emplastro enquanto eles retiravam os animais. Cobrindo-se com as capas, os arquimagos saíram para a chuva. Já estavam próximo aos portões quando gritos roucos os chamaram de volta. .
– Esperem, esperem! Há muito tempo que não chamam a minha atenção a respeito das velhas regras. Muita coisa mudou por aqui nos últimos anos, e me fizeram esquecê-las. Eu não serei conhecido como um mal anfitrião, então por favor fiquem.
O jovem casal entreolhou-se: precisavam descansar, mas acima de tudo, poderiam confiar?
O Velho, percebendo a relutância caminhou vacilante até eles, mas o bambear de seu corpo fez com que escorregasse e caísse: Fiolon socorreu-o
– Ah.. nada como uma mão amiga! Acho que tivemos uma série de mal-entendidos, rapazinho: eu sou D. MacAran e será um prazer hospedar vocês em meu lar. 



domingo, 8 de outubro de 2017

Arquimagos - Explorando Labornok

Capítulo X - Abrigo


         Os arquimagos seguiram as orientações dos vispis e se mantiveram rumo ao norte, onde poderiam encontrar uma boa quantidade de vilas oddlings ao longo do caminho e se manterem abastecidos. Labornok não era tomada de pântanos como Ruwenda, suas florestas possuíam solo firme mesmo ao sopé das montanhas de neve; porém a era uma mata densa, bastante fechada, como se nunca tivesse sido explorada. Era fácil se perder nas trilhas já que elas praticamente não existiam e a copa das árvores não permitia uma orientação fácil pelo céu; Mikayla utilizava-se do amuleto de trílio herdado da antiga arquimaga como guia, uma peça em âmbar, contendo um trílio negro, símbolo de Ruwenda, cristalizado. As tribos pelas quais passaram estavam terrivelmente decadentes; parecia que o estrago feito pela guerra entre os dois reinos duzentos anos atrás insistia em deixar suas marcas. Conversando aqui e ali, os arquimagos entenderam que muitos jovens nyssumos partiam para as cidades litorâneas em busca de trabalho; não havia o que garimpar mais nas ruínas de Labornok já que tudo fora confiscado pelos sacerdotes do templo de Meret, extinto dois anos antes - obra de Haramis para salvar Mikayla, mas o povo não precisava saber disto.
               
             – Os pais tem medo que os jovens desapareçam, então estão tirando eles daqui. Isso é mal para as terras, não temos a quem passar nossos costumes, nossa cultura. Eles têm medo e não querem voltar. – explicou uma velha vendedora de ervas, com quem Mikayla trocou mantimentos por folhas para fazer chás.
                – Porque estão com medo de desaparecer?
            – Ah, os baderneiros... Sequestram os jovens bons... – e virando-se para Fiolon completou – Eu se fosse você rapazinho, tomaria cuidado e sairia logo da floresta.
               
             Era a quinta aldeia pela qual passavam que fazia referência ao êxodo dos jovens. Fiolon se perguntava se era este o problema que a terra alertava á Mikayla: a diminuição da população oddling. E como não podia desconsiderar nada em sua pesquisa, pensava em quais seriam as consequências para terra caso os aborígenes desaparecessem. Sua concentração no entanto era perturbada pela pressão no ar: o calor na floresta estava insuportável, com o sol estivesse oculto por detrás de camadas e camadas de nuvens
            – Acho melhor você deixar a chuva cair! – disse para Mikayla. Como agora seguiam sozinhos não necessitavam da linguagem mental.
           – Eu sei... – ela parecia exasperada – Eu só queria encontrar um abrigo seguro para nós antes.
                – Você sabe que isto é errado não é? Usar magia sem propósito e curvar a natureza ao nosso favor...
                Mikayla permaneceu calada. Não demorou muito e gotas de chuva começaram a molhar timidamente suas vestes, para logo em seguida deixarem a timidez de lado e se transformarem numa enxurrada. Quando o frio atingiu seus ossos, Fiolon se arrependeu de ter chamado a atenção da jovem esposa, que seguia ereta em seu fronial alguns passos à sua frente, impassível a chuva. Ele se lembrou de que ela era capaz de controlar a temperatura do próprio corpo e criticou-se intimamente de ainda não ter aprendido isso. Rindo de sua própria incapacidade, aproximou-se para fazer piada sobre o fato, mas percebeu pelo gesto involuntário de quem seca os olhos num rosto oculto por um capuz, que algo estava errado: Mikayla chorava. Firme em seu fronial, ela evitava desmoronar emocionalmente em diante de seu marido e ele sabia que era por puro orgulho: ela queria provar para ele que ela era capaz de lidar com Labornok. Ele nunca duvidara de sua capacidade e indeciso entre ampará-la ou deixá-la só com suas dores, a segunda opção lhe pareceu mais favorável: Mikayla nunca evoluiria se ele estivesse por perto toda vez que ela se sentisse inapta.
Chegaram à estrada que os conduziria até Derorguila sem que a chuva diminuísse; parecia furiosa por ter sido mantida na atmosfera contra a vontade. Seria um longo caminho até a antiga capital, e não faziam ideia da aldeia mais próxima, mas estradas eram melhores e mais seguras que trilhas errantes em uma floresta desconhecida. Suas esperanças em encontrar um local seguro para pernoitar diminuíam na medida em que a noite avançava, ainda que acreditassem que as chances na estrada fossem melhores. Há dias dormiam sob a copa das árvores ou em algum abrigo de animais, e como a vida acastelada tirou deles a capacidade de adequarem-se à situações desconfortáveis, ansiavam por um lugar quente e  alguma comida fresca: as provisões secas que levavam dariam para poucos dias. Por ora caçar não era opção.
                – Calculei mal as distâncias, me desculpe... – disse Mikayla, por fim.
                Antes que Fiolon respondesse, uma luz tênue vinda do meio da floresta chamou-lhes a atenção aumentando conforme se movimentavam pela estrada e outras se seguiram à ela. Quando completaram a curva da estrada, uma porteira revelou um sítio esquecido por aquelas bandas. Seus corações palpitaram de alívio, e com a chuva ainda sob seus corpos, atravessaram a porteira e seguiram até as luzes.
Era uma casinha pequena, tendo ao lado de uma estrebaria e uma casa de moendas. Da posição em que estavam as construções compunham um bonito quadro tendo as Monhtanhas Ohogan ao fundo, bem distantes. Mikayla observou algo que parecia uma ponte e um moinho à alguns quilômetros de distância, no que parecia ser uma colina: se algo perigoso acontecesse poderiam correr para lá.
                – Quem está aí? – bradou uma voz masculina, vinda do interior do casebre.
                – Somos viajantes, senhor. Poderia nos fornecer abrigo contra a chuva?
                A voz demorou a responder. Quando Fiolon estava prestes a repetir o pedido, ela retrucou:
                – Vocês podem ficar lá atrás, na estrebaria!
“Isso não é forma de se acolher quem pede abrigo!”, pensou Mikayla, mas de todo o jeito era melhor do que permanecer na chuva. E nem era um local tão ruim assim, já que parecia não receber animais há muito tempo. A palha estava seca e o casal ajeitou um canto para os animais e depois outro para eles. Trocaram as roupas encharcadas por outras mais secas e aninharam-se para descansar. Temiam acender alguma fogueira e acidentalmente tacarem fogo no lugar.
– É possível que ele tenha ficado com medo de nós? – indagou Mikayla, ainda incomodada com a recepção de seu anfitrião.
– Não sei, talvez sim. Não sabemos o que se passa por este lugar.
O cansaço abateu sobre eles e adormeceram rapidamente, sem sequer se preocuparem em montar vigia. Seus corpos cederam àquele conforto mínimo, crentes que não poderia haver perigo quando uma hospedagem lhes foi concedida: simplesmente relaxaram.
Não poderiam estar mais errados