segunda-feira, 28 de maio de 2018

Escrava do Cabelo

Nem sempre é o que parece...

Ela havia deixado a porta aberta quando fora se pentear. Sempre se levantava mais cedo para tudo, desde quando eram namorados. Os primeiros três meses de casamento passaram como uma brisa, tamanhas eram as alegrias e as novidades. Os três meses seguintes foram de rotina estabelecida, reconhecimento de hábitos, acordos nos cuidados da casa – ambos trabalhavam fora, logo as tarefas precisavam ser divididas. Mas se ele achou que acordaria com ela em seus braços, estava enganado: no meio da noite, ou pouco antes do amanhecer ela lhe fugia.

Ela sempre estava na TV, ou na cozinha, adiantando ou já bebericando o café. Nunca maquiada, mas sempre penteada. Os cachos brilhavam pelo excesso de cremes ou encontravam-se presos em um coque elaborado. Ela não parecia desperta, mas também não parecia que voltaria a dormir. Voltar para cama para “algo mais” nem pensar! Ela odiava os travesseiros molhados e os cabelos recém lavados já davam a ele a resposta: “não vem não!”

O cabelo. A culpa, ele descobrira depois, era do maldito cabelo. Cheio, livre e descontrolado como ela, era uma coisa desengonçada todas as manhãs. Mas ela não queria que ele visse e preparava-se antes de chamá-lo para acordar ou até mesmo durante a madrugada. “Será que nunca dormia plenamente?” ele se perguntou algumas vezes, sem ter resposta, pois não tinha coragem de direcionar a pergunta para quem de direito. Seu sono pesado não ajudava, tentou por vezes surpreendê-la, mas quando acordava já havia perdido o momento.

Um dia, ele farto desta coisa, de acordar sem ter mulher ao lado, prendeu-a entre os lençóis. Nas tentativas de sair da cama ela acabou acordando-o. Ele, desperto e esperto, fingiu que ainda dormia, mas deixou-a livre. Ela foi para o banheiro, e com a porta aberta ele viu o que não deveria ser visto.

Ela não era escrava do cabelo, como ele supunha que fosse.

Ela não tinha cabelo. 


terça-feira, 1 de maio de 2018

Retratos na Caixa de Leite

Idéias vêm e vão. Desenvolvê-las nem sempre é fácil e muitas das vezes elas se perdem no caminho.
Este é o argumento ou sinopse de uma história que talvez seja escrita um dia. 





Anna, uma premiada repórter de 30 e poucos anos é mãe adotiva de um adolescente chamado Joaquim de 13 anos e esposa de Juliano, um típico delegado de polícia quarentão da cidade de São Paulo, com modos um tanto machistas - ele preferia que a mulher ficasse em casa cuidando do filho, muito amado por ambos. Ela fica intrigada com a morte de Tony Cabral, policial colega de Juliano que havia entrado na corporação há menos de dois anos mas que morreu de overdose dias depois de ser transferido para uma cidade do interior. O que incomoda Anna é o fato de que tempos atrás Tony tinha se tornado uma celebridade em outra cidade por ter ajudado a unir mães e seus filhos desaparecidos através da confecção de retratos que uniam fotos das crianças desaparecidas com as fotos dos pais quando tinham a idade que a criança teria naquele momento. Anna, inclusive, fizera a  matéria sobre o assunto, o que lhe rendera diversas premiações.

 Sentindo que havia "algo mais" nesta história, Ana e sua parceira Elizabeth, uma estagiária de vinte e poucos anos começam a investigar sigilosamente as atividades de Tony, uma vez que Juliano é estranhamente contra o envolvimento dela com o caso. Em certa altura das investigações, elas conversam com as mulheres que procuraram pelos serviços de Tony ao longo dos anos e percebem que muitas tinham em comum o fato de terem sido ex-detentas de um mesmo presídio. As desconfianças aumentam quando algumas dessas mulheres são assassinadas. Investigando, a dupla descobre uma quadrilha que sequestrava crianças filhos de presidiárias, acobertada pelos agentes e policiais locais que recebiam suborno para deixar a quadrilha atuar naquela época. Atrás da cabeça da quadrilha, Elizabeth descobre sem querer que Juliano também fizera parte do esquema, e que Joaquim pode ser uma das crianças sequestradas; muito abalada, deixa a cargo de Ana decidir o que fazer. 


Ana mata Elizabeth e revela-se a responsável por todas as mortes até então. Ela desaparece no mundo com seu filho, não sem antes montar uma matéria-denúncia acusando a corporação - inclusive o marido - e enviando uma carta à mãe biológica do menino pedindo desculpas pelo ocorrido, mas que não era forte o suficiente para dividir a criança.




quarta-feira, 4 de abril de 2018

Bombyx Mori Tupiniquim¹




       Naquele reino de personagens estranhos, “uma prostituta chamada Brasil se esqueceu de tomar a pílula e a barriga cresceu”.² Ela era uma vaca, de lindos cabelos verdes, onde toda fauna e toda flora se abrigava; seus olhos eram de um azul infinito, cristalino como as águas e como o céu. E de suas centenas de tetas escorriam leite e mel, que também saciava a fome de Povus, a quem ela servia.

       O problema era seu cafetão. Politicvs era um ser ardiloso, mesquinho e cruel. Ficou furioso quando Brasil engravidou, mas percebeu que, com sua gravidez, as tetas produziam mais. Brasil não quis se livrar dos próprios filhos e garantiu a Politicvs que eles iriam ajudá-la a cuidar de Povus. Sob esta promessa nasceram os trigêmeos Saúde, Educação e Cultura e com o leite da mãe cresciam bem. Até que Politicvs passou a exigir mais da sua parte, mas ficaria feio para ele reclamar na frente de Povus: então, na calada da noite, enquanto todos dormiam, drenava o leite de Brasil e este começou a faltar. Povus indignou-se com a falta de leite e Politicvs espalhou para quem quisesse ouvir que Brasil não estava cumprindo com seus deveres porque Povus não lhe dava as devidas recompensas.  Mas Brasil se esforçava em atender Povus, e os filhos dela a ajudavam, como prometido. E com Saúde, Educação e Cultura, Povus começou a se questionar sobre a real necessidade de ter Políticvs intermediando sua relação com Brasil. Assim, prevendo que deixaria literalmente de mamar nas tetas de Brasil, Políticvs lançou-se em um plano arriscado: sempre na calada da noite, tirou também o leite dos filhos de Brasil. Saúde e Educação foram os primeiros a definhar, enquanto Cultura resistia bravamente. Brasil continuava reservando igualmente suas parcelas de leite para seus filhos, que se revertia em prestação de serviços para Povus, mas enfraquecidos, o serviço das crianças era cada vez mais mal feito. Povus novamente procurou saber o que estava acontecendo e Politicvs prontamente respondeu: “Você não está recompensando Brasil suficiente, logo, falta leite para as crianças!”. “Mas cultura está bem!”, argumentou Povus, “É claro: é ele quem tira o leite dos outros irmãos! De quem você precisa mais? Vamos tirar o leite de Cultura e assim sobrará mais para os outros dois!”.

       O plano deu certo: Brasil continuava a distribuir igualmente o leite entre seus filhos, mas na calada da noite Politicvs tomava uma parte de Cultura para si e distribuía o restante para os outros dois irmãos. A melhora deles foi considerável, mas não suficiente. “Você precisa pagar mais pelos serviços de Brasil! Só assim vai melhorar! Esta mãe ingrata está deixando de produzir e a culpa é sua: pague mais! Pague mais!”, gritou Politicvs aos quatro cantos. Povus triplicou sua contribuição pelos serviços de Brasil, ela era tributado de todas as formas possíveis e inimagináveis – chegando a pagar para ter que trabalhar! Mas Brasil nunca via o retorno deste dinheiro: tudo era guardado nos bolsos, nas malas, nas calças e nas cuecas de Políticvs. O leite estava acabando. Saúde e Educação definhando, seu irmão mais velho, Cultura, há muito morrera de fome. Povus também enfraqueceu, não conseguia pensar. Só sabia esbravejar e brigar por coisas idiotas; não tinha forças para mais nada, convencido de que a culpa era de Brasil, aquela vaca ingrata que não servia para nada e daqueles que pensavam diferente dele.

       Vendo que a vaca ia para o brejo, Politicvs arrumou suas malas e foi para um paraíso fiscal qualquer, não sem antes deixar seus filhos de olho nela: enquanto a vaca desse uma gota de leite, ele queria a sua parte.
     
       E Povus, sem Saúde, Educação e Cultura, só sabia gritar: “Pátria que me Pariu!”³



¹Bombyx Mori é o nome cientifico do Bicho da Seda, que por sua vez é o título do segundo livro que J.K. Rowling escreveu sob o pseudônimo de Robert Galbraith. Nele, um detetive investiga a morte de um autor cujo livro (Bombyx Mori) retrata, de maneira pouco ortodoxa e cheia de analogias, várias personagens de sua vida real.
² e ³: Versos da música “Pátria que me pariu” de Gabriel, o Pensador.

O bom filho...

Sim, depois de um longa pausa estamos de volta!

O sumiço tem um bom motivo: a divulgação do livro Contos da Dona Noite, muito bem recebido nos saraus da região. Isso não diminuiu o prazer da escrita, mas privou o blog da publicação de muitos contos e a continuação da fanfic Arquimagos. Peço um milhão de desculpas por isto.

Mas quero dizer que esse tempo foi proveitoso para muitas narrativas que serão publicadas por aqui.
Vou abrir o leque para compartilhar materiais que tenho encontrado nas redes e de novos autores que encontro aqui e acolá. Também vou compartilhar com vocês os materiais que produzi como roteiros de curta metragens, e muitas storylines que vocês poderão se inspirar para criar as histórias de vocês - exatamente: talvez a sua ideia para uma história seja um milhão de vezes melhor do que a minha, e eu quero lê-la! Ficarei muito feliz em saber que contribuí para mais um maravilhoso trabalho literário ou artístico por aí...

Então vamos juntos?

Porque é muito bom ter você por aqui!

P.B. Caprice