Ela havia deixado a porta aberta quando fora se pentear.
Sempre se levantava mais cedo para tudo, desde quando eram namorados. Os
primeiros três meses de casamento passaram como uma brisa, tamanhas eram as
alegrias e as novidades. Os três meses seguintes foram de rotina estabelecida,
reconhecimento de hábitos, acordos nos cuidados da casa – ambos trabalhavam
fora, logo as tarefas precisavam ser divididas. Mas se ele achou que acordaria
com ela em seus braços, estava enganado: no meio da noite, ou pouco antes do
amanhecer ela lhe fugia.
Ela sempre estava na
TV, ou na cozinha, adiantando ou já bebericando o café. Nunca maquiada, mas
sempre penteada. Os cachos brilhavam pelo excesso de cremes ou encontravam-se
presos em um coque elaborado. Ela não parecia desperta, mas também não parecia
que voltaria a dormir. Voltar para cama para “algo mais” nem pensar! Ela odiava
os travesseiros molhados e os cabelos recém lavados já davam a ele a resposta:
“não vem não!”
O cabelo. A culpa, ele descobrira depois, era do maldito
cabelo. Cheio, livre e descontrolado como ela, era uma coisa desengonçada todas
as manhãs. Mas ela não queria que ele visse e preparava-se antes de chamá-lo
para acordar ou até mesmo durante a madrugada. “Será que nunca dormia
plenamente?” ele se perguntou algumas vezes, sem ter resposta, pois não tinha
coragem de direcionar a pergunta para quem de direito. Seu sono pesado não
ajudava, tentou por vezes surpreendê-la, mas quando acordava já havia perdido o
momento.
Um dia, ele farto desta coisa, de acordar sem ter mulher ao
lado, prendeu-a entre os lençóis. Nas tentativas de sair da cama ela acabou
acordando-o. Ele, desperto e esperto, fingiu que ainda dormia, mas deixou-a
livre. Ela foi para o banheiro, e com a porta aberta ele viu o que não deveria
ser visto.
Ela não era escrava do cabelo, como ele supunha que fosse.
Ela não tinha cabelo.