Não leia esta história se você
estiver deprimido ou triste, angustiado ou algo do gênero. Você cortará os
pulsos! Verdade. Por outro lado, se, e somente se, você já estiver no fundo do poço,
perceberá que a única saída é subir, escalar as paredes de volta ou se deixar
boiar enquanto o poço enche novamente – ok, esqueça esta alternativa pois pode
demorar muito e tudo que sobrará até a água atingir a abertura do poço serão
seus ossos! O importante é que ao fazer esta leitura e condenar – como eu! - a
nossa anti-heroína, você estará automaticamente se livrando das prisões mentais
que criamos ao nosso redor.
O livro narra a história de Nomi
Nickel, uma jovem de 16 anos que vive em uma cidade canadense dominada por
fundamentalistas cristãos. Na visão de Nomi, aquela cidade é o típico lugar
onde as pessoas escondem suas frustrações embaixo do tapete e acreditam estar
fazendo alguma coisa boa. Procuram, apontam e condenam os erros dos outros na
tentativa desesperada de que ninguém encontre os seus. O comportamento radical
abre precedente para os dois extremos: o do bom e do mal comportamento. Os
jovens como Nomi vivem a fachada de uma vida “exemplar” mas se esbaldam com drogas e festas de fundo de quintal.
Cumprem seus períodos escolares mas não há perspectiva de futuro promissor –
ou, no caso, a desanimadora perspectiva de nascer, crescer, casar procriar e
morrer. Viver é consequência, uma consequência ruim até, pois pelos preceitos
daquela religião, a felicidade não deveria ser incentivada – ao menos foi o que
eu entendi.
À esta altura você se pergunta: e
porque ela não vai embora deste lugar? Porque fizeram isto antes dela. Sua mãe
e sua irmã mais velha foram embora, deixando ela e o pai sozinhos a enfrentar a
“piedade” dos cidadãos locais. Não há muros, não há amarras, mas ela se prende
ao pai para não ir embora, com medo de ser egoísta como a mãe e a irmã. Há um
mundo de poucas palavras entre eles, e um medo implícito em ambos de que Nomi
faça como as outras. Aliás, desde o início o leitor já sabe que mãe e irmã abandonam
a família – inclusive está na sinopse do livro – e tem uma breve noção do
porquê. Mas à medida que a história vai avançando, vamos nos aprofundando nos motivos de cada um, mesmo que somente sob
a ótica de Nomi, e compreendendo as amarras que a prendem. Pense em crescer achando que uma coisa é
errada e de repente, dentro de sua própria casa, certo e errado se confrontam, e
o errado vence. Como fica a sua mente?
Há uma cena particularmente
interessante em que, após ser despertada mais uma vez pelos gritos da filha que
chorava pela partida da irmã, a mãe de Nomi a pega pela mão e a leva na casa do
pastor – que também é seu irmão. “Peça perdão à ela”, ela diz “Peça perdão à
ela e diga que sente muito”. O homem está exasperado por ter acordado de
madrugada e a Nomi, ainda uma criança, não entende muito bem o que a mãe quer
dizer com tudo aquilo. Mas ela chorava todas as noites, não só porque a irmã
foi embora, mas principalmente porque em sua cabecinha manipulada a irmã
estaria à caminho ou já no inferno e ela não queria este destino para a amada
irmã – ninguém quer! E a mãe sabia disso, e mais, sabia que sua filha mais nova
estava sofrendo por uma coisa que ninguém tinha de fato certeza, sofrendo
porque estava sendo criada sob o regime de uma fé cega que não poderia ser
questionada, sem que houvesse condenação. E o pior, ela mesma, a mãe, começava
a se questionar. O pedido de perdão do pastor era um jeito de dizer para a
filha “Calma criança, não é tão radical quanto parece”.
E seis meses depois da partida
filha, a mãe de Nomi também vai embora, e só então esta passa a questionar um
pouco mais as afirmativas ao seu redor, “a bondade complicada” que dá nome à versão em português deste livro.
O livro é todo em primeira pessoa
e hora se confunde como um diário de pensamentos, hora como um evento
cotidiano. Nomi é uma adolescente e sua escrita é confusa e isso é chato
inicialmente na história mas se revela uma tacada perfeita. Em uma frase a
autora exprime toda uma ação deixando à nossa imaginação os detalhes. Por
exemplo, ao invés de descrever uma cena em que põe fogo em um carro, como e
porque aquele ato foi feito, ela simplesmente escreve “lavei as mãos mas ainda
cheiravam à gasolina que joguei no carro em frente ao motel antes de queima-lo”
ou simplesmente “podia sentir daqui o cheiro da fumaça do carro que incendiei
antes de voltar para casa”. E corta para outra cena.
Relembrando, não leia este livro se estiver se sentindo para baixo; é um livro de uma narrativa infeliz. Mas com paciência e persistência, com o auxílio da psicologia reversa pode-se tirar dele lições e buscar soluções até para os nossos problemas. Já dizia um conto em que um jovem procurava um sábio para auxiliá-lo a resolver os seus problemas dizendo que a vida não seguia adiante por causa deles. O sábio de agarra a uma pilastra dizendo que não conseguia fazer nada porque aquela pilastra não deixava. O jovem simplesmente diz "solte a pilastra". "Taí a sua resposta", diz o velho sábio.
Ás vezes não são as coisas que nos prendem: somos nós que nos aprisionamos à elas.
Ás vezes não são as coisas que nos prendem: somos nós que nos aprisionamos à elas.
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